Atingidos pelos Reflexos...

terça-feira, 20 de outubro de 2009

A Parábola da Montanha

Era uma vez um grupo de alpinistas cujo objetivo era escalar a Grande Montanha. Esses alpinistas, porém, queriam fazê-lo de forma diferente dos demais.

Ora, até aquele dia, todos os que tinham conseguido escalar com segurança a Montanha, chegando ao seu cume, tinham seguido um manual escrito por várias antigos alpinistas que, depois de suas longas experiências com a Montanha, foram orientados por Ela (sim, a Montanha) a descreverem-na para a posteridade por meio desse manual.

Essas orientações colocadas no manual foram ditadas pela própria Montanha àqueles primeiros alpinistas, porque Ela queria ser escalada por todos os alpinistas e então explicou com prazer como fazê-lo com segurança. Mas não revelou tudo sobre si mesma. Só o essencial para a escalada segura.

Assim, os primeiros alpinistas registraram apenas os detalhes suficientes para qualquer outro alpinista que viesse depois deles pudesse conhecer bem a Grande Montanha o suficiente para escalá-la sem problemas.

Todos que seguiam o manual se maravilhavam como ele era preciso e, ao segui-lo à risca, no meio da trajetória, tinham suas próprias experiências com a Grande Montanha, decorrentes da obediência às orientações do manual. Alguns destes resolveram depois até escrever sobre o manual, dizendo como o manual era perfeito e indicando seus pontos favoritos no manual e aqueles pontos que consideravam de grande importância nele. Escreveram seus "guias do manual". Porém, esses alpinistas faziam questão de frisar que seus "guias do manual" eram só um auxílio para as pessoas que queriam estudar o manual, e que o mais importante mesmo era as pessoas estudarem o manual e seguirem-no ao pé da letra em sua escalada.

Além disso, apesar de para uns alguns pontos favoritos não serem os mesmos para outros, e alguns pontos considerados importantes não o serem para todos, todos que seguiam o manual eram de comum acordo de que (1) o manual era perfeito e que (2) havia alguns pontos bem específicos do manual que eram, sem dúvida, fundamentais, indispensáveis, os mais importantes de todos os pontos do manual. Com esses pontos específicos, todos concordavam, todos eram de comum acordo. Ao ponto de dizerem que, se esses pontos não fossem observados pelos alpinistas, poderiam levá-los a um desastre. Aliás, isso era até muito fácil de entender, já que no próprio manual havia essa orientação sobre a importância e a indispensabilidade desses pontos específicos.

Porém, os alpinistas novos não levaram a sério essa recomendação e começaram a escalada desprezando muitos pontos fundamentais do manual, valorizando só aqueles que lhes pareciam importantes. E alguns deles nem se importavam mesmo com o manual. Diziam que o mais importante era curtir a escalada sem se importar com as regras do manual de escalada, mesmo que o próprio manual dissesse que havia pontos dele que não poderiam ser desprezados, pois eram orientações fundamentais deixadas pela própria Montanha. Alguns desses novos alpinistas chegaram até a propor uma revisão na interpretação sobre quais pontos seriam mesmo os mais fundamentais. E se alguém lhes alertava do perigo de fazerem isso, diziam que essas pessoas estavam influenciadas pelo que diziam os "guias do manual" que haviam sido escritos.

Porém, no final das contas, aqueles novos alpinistas se perderam na escalada, não haviam conseguido chegar no topo da Grande Montanha. Mesmo assim, orgulhosos, alguns deles propuseram a seguinte explicação: "Na verdade, quem disse que isso aqui não é o cume da Grande Montanha?" Ao que alguém replicou: "Mas pelo manual não parece ser o cume da Grande Montanha?" Ao que responderam: "E quem disse que os alpinistas que escreveram esse manual entenderam direito quando a Grande Montanha disse como era o Seu cume e como chegar a ele? Eles podem ter se confundido. Deve haver contradições no manual, já que quem o escreveu foram alpinistas diferentes em épocas diferentes que puderam ter entendido as palavras da Grande Montanha de forma diferente. As únicas coisas que o manual diz e de que podemos estar seguros é que isto é mesmo a Grande Montanha e ela tem um cume. Só isso. No mais, é curtir a escalada sem ficar muito preso a interpretações literalistas acerca do que diz o manual sobre o cume. E mesmo que isso aqui não seja o cume, tenho certeza de que ainda estamos no caminho certo e já já chegaremos ao cume".

E todos ficaram à vontade naquele lugar pensando que era o cume mesmo ou, pelo menos, meio caminho para ele. Alguns alpinistas que passavam por perto dali até alertaram aqueles alpinistas "muito inteligentes" que desprezavam os que eram literalistas no entendimento do manual. Porém, aqueles alpinistas "muito inteligentes" não deram bola para eles.

"O quê? Isso aqui não é o cume nem a direção certa para ele? Que nada! Quem disse que estamos errados? O manual? Vocês é que ficam muito presos a uma interpretação literalista do manual. Estão influenciados por esses "guias do manual" que escreveram tempos atrás. Lembrem-se que esses guias discordam entre si em alguns pontos! Nada garante que vocês estão certos. Além do mais, estamos bem aqui!"

Alguém até explicou: "Mas todos os guias já escritos sobre o manual concordam que vocês estão no caminho errado. Isso porque trata-se de um erro fundamental, não de pontos secundários do manual. Aliás, leiam o manual! No capítulo..."

"Não! Não me venha com essa! Nós conhecemos bem o manual! Continuem seus caminhos e deixem a gente curtir a escalada do jeito que a gente bem entende."

E por ali ficaram. Até quando, ainda não se sabe.

Autor: Silas Daniel
Verba volant scripta manent

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe seu comentário, sua opinião é importante...

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails