Atingidos pelos Reflexos...

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Como é difícil construir altares...


Tenho refletido sobre a difícil tarefa de construir altares.

O altar no imaginário religioso e na história do Antigo Testamento simboliza a aproximação do ser humano com seu Deus. O lugar onde se deposita a oferta e entrega-se o sacrifício, onde o homem percebe-se mais próximo à divindade. No Catolicismo, por exemplo, é a mesa onde se celebra a Missa. No Protestantismo é onde os pastores pregam durante os cultos.

De exemplo prático, temos Noé, que ao final do dilúvio, em forma de gratidão e adoração à Deus, teve como primeiro gesto ao descer da arca, a edificação do altar.

E edificou Noé um altar ao Senhor. - (Gen. 8:20)

Mais altares edificados em Gênesis:

Abrão edificou ali um altar ao Senhor, e invocou o seu nome – Gen 13:18

Então, Josué edificou um altar ao SENHOR, Deus de Israel, no monte de Ebal – Josué 8:30

Gosto de pensar na idéia de que ao construir um altar, posso me aproximar de Deus. Mas ao mesmo tempo, convivo com a dúvida de que nem todos os altares que tento erguer, permanecem ou permanecerão de pé.

O patriarca bíblico Abraão é um modelo de construtor de altares, temos conhecimento de que por onde ele andava as pessoas reconheciam sua marca, pois a primeira coisa que fazia quando chegava em algum lugar era construir um altar, e quando saía daquele lugar o altar ficava como para lembrar aos que ali permaneciam que ele era abençoado por Deus.

Sei que não vivo mais a época do Antigo Testamento, mas entendo pela norma teológica que podemos continuar a construir altares.

Tento construir altares quando priorizo os valores bíblicos como fonte de sabedoria.

Tento construir altares quando opto por escolha própria sacrificar desejos pessoais em prol de uma educação Cristã aos meus filhos e de um relacionamento baseado na fidelidade e sinceridade cristã com minha esposa.

Tento construir altares, quando as pessoas com quem tenho me relacionado me procuram em busca de algo diferente, e consigo fazê-las entender um pouco dos planos de Deus para suas vidas.

Porém, há os que duvidam. Aqueles para quem esses altares não os aproximam de Deus, talvez pelo contrário, os distancie ainda mais. Os quais desacreditam dos altares e também do Deus á quem tento edificá-los. Eu sei ... já aprendi que não semeio para aguardar um ganho, ...sei que edifico altares num reino onde o dar é receber, onde perder a vida é encontrá-la. Sei que devo fazer o que faço, pelo simples fato de não ficar inativo, devo continuar edificando altares, porque não posso servir a Deus sem servir as pessoas à minha volta.

Mesmo sabendo disso, fico triste quando penso que muitos não conseguem olhar os altares da mesma maneira que eu...

Li Rubem Alves... Acho que ele já pensou sobre isso também...

"Sou um construtor de altares. Construo meus altares à beira de um abismo. Eu os construo com poesia e beleza. Os fogos que acendo sobre eles iluminam o meu rosto e aquecem o meu corpo. Mas o abismo continua escuro e silencioso..."

Senhor... continuarei tentando construir altares... ajuda-me nessa difícil missão.

José B. Silva Junior

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Deus me ouve por me ouvir...

A QUARTA VIA: DEUS ME OUVE, POR ME OUVIR
“Na minha angústia, clamo ao Senhor, e ele me ouve” – Salmo 120.1

Parece uma tautologia, apenas repetição de idéias e palavras, mas Deus me ouve, por me ouvir. Sempre vinculamos a idéia de que o Senhor está atento às orações quando as responde.

Eu sei também que sempre articulamos pelo menos três possibilidades de respostas: um sim, um não, ou um espere. Gostaria de articular a quarta via: Deus me ouve, por me ouvir. É a via que não tem resposta. Não há necessidade dela ou de qualquer dádiva, um algo do qual se possa dizer: Deus é bom pra mim, atendeu-me em oração. Não. A bênção está só no ouvir, no privilégio de poder falar, sem palavras, o que está no coração.

Na angústia, e se fosse pensar em Heidegger, profunda angústia existencial da ameaça de ser, o que se tem como conteúdo é tão somente o clamor. Estar angustiada é uma condição da alma que sofre. Um motivo desperta a angústia que já estava lá, e então o que emerge é a súplica, o primeiro desejo de superação, busca de saída, porta, luz, um alguém que possa entender de alma humana, médico do profundo, analista da profundidade humana, um apenas que possa ouvir e entender de angústia. A linguagem da angústia, sem conteúdo, não precisa de conteúdo como resposta, basta apenas ser ouvida. Então, Deus me ouve, por me ouvir.

Ao sair de casa hoje você caminhará com um código na profundidade da alma, que nem você mesmo consegue dizer do que se trata, porque não há como transformá-lo em palavras. Sem dizer coisa alguma, na oração incontida que brota como súplica, há alguém capaz de entender aquela linguagem e ouvir o que não pode ser dito. Provavelmente não haverá resposta alguma, pois o ouvir já será a própria resposta.

Tenha um bom dia!

Pr. Natanael Gabriel da Silva

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Guardar


Começo a semana, publicando um poema que ouvi neste domingo à noite assistindo ao programa da TV Cultura "Café Filosófico". Um dos temas do programa era o " afetar " e o ser " afetado". Da busca que fazemos em nos expressar e captar expressões. Refleti sobre a expressão da Teologia. Sobre o comunicar e expressar a Palavra Divina e de quanto e como tenho sido alvo dessas manifestações. O que tenho GUARDADO de tudo isso ?

"GUARDAR"
Antonio Cícero


Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la. Em cofre não se guarda coisa alguma. Em cofre perde-se a coisa à vista. Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado. Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela, isto é, estar por ela ou ser por ela. Por isso, melhor se guarda o vôo de um pássaro do que de um pássaro sem vôos. Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica, por isso se declara e declama um poema. Para guardá-lo: Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda: Guarde o que quer que guarda um poema. Por isso o lance do poema: Por guardar-se o que se quer guardar.


Filho meu, guarda as minhas palavras, e entesoura contigo os meus mandamentos. Observa os meus mandamentos e vive; guarda a minha lei, como a menina dos teus olhos. (Prov. 7:1-2)

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

As flores estão perdendo...

A cada novo ano o espetáculo se renova no mês de setembro. A chegada da primavera acrescenta brilho especial ao evento.

Compensa visitar a expoflora em Holambra/SP. São milhares de visitantes que passam pelo local todos os anos. Caravanas e mais caravanas. Os tamancos holandeses. As comidas típicas. Os grupos musicais. As danças dos adolescentes e jovens, com suas roupas típicas e seus ritmos holandeses, agradam e geram a leveza que só a música e as flores conseguem produzir. A parada das flores com a "chuva" de pétalas atrai a multidão hipnotizada pelo belo.

A alegria, lhaneza e empolgação dos responsáveis, cativa. A possibilidade de comprar mudas de variadas espécies, com exceção das frutíferas, proporciona excelente oportunidade para se renovar o jardim caseiro. Holambra se destaca pela produção e exportação de flores. Além de manter um pedacinho da Holanda dentro do Brasil, persiste em alimentar a ligação das novas gerações com as raízes ancestrais. Isto é excelente.


No início da expoflora a primazia era das flores. Aos poucos foram aparecendo expositores de produtos relacionados às flores e jardinagens. Hoje é possível comprar de quase tudo na expoflora. Os espaços foram "invadidos" sorrateiramente e hoje sobra pouco para as flores. Ano após ano a ênfase diminui quanto às flores. Aumenta o comércio. A sociedade consumista e fria do nosso tempo está perdendo a atração pelo belo. Já não compomos música. Não escrevemos poesias como há alguns anos. Preferimos a frieza dos torpedos à doçura de uma declaração de amor.

O mundo está cada dia mais triste. Menos comunicativo. Mais agressivo. Explode em violência em todos os setores. Até mesmo nas Igrejas, lugar onde a paz devia reinar vemos a guerra. A beleza da vida está murchando. Como as flores cortadas para formar arranjos, mas sem a seiva da vida. Como é triste um arranjo de flores murchas.
A necessidade de sobreviver rouba-nos a alegria de viver. Claro que a culpa não deve ser debitada aos mantenedores da expo flora. Eles são apenas vitimas, como todos os demais humanos que formamos esta geração triste e agressiva. Não há mais tempo para cuidar de jardins. Não plantamos flores. Preferimos adquiri-las em vasos ornados sem sensibilidade.

Cuidar de uma orquídea exige paciência. Muita paciência. Aguardamos um ano e às vezes ela não floresce. No seu dormitar parece zombar das nossas expectativas de cultura de microondas. Por isso ela floresce uma vez por ano. Cultivar roseiras, nem pensar. Corremos o risco do espinho que devolve com dor o nosso labor. Eis a razão porque não temos mais jardins multicoloridos a enfeitar nossas residências. Em lugar das flores existem muros. Cercas eletrificadas. Olhos mágicos que nos auxiliam a perscrutar o desconhecido que bate a nossa porta. Até mesmo as praças das cidades não são mais ajardinadas e floridas. Prevalece o cimento frio. Algumas cercadas de grades. As entradas dos templos, há alguns anos, transmitiam mensagem de convite à paz. Hoje estão cercadas com grades. Algumas com arame farpado. O belo desapareceu das nossas retinas.

Usamos lentes escuras que nos impedem o êxtase do amanhecer ou do entardecer. Em algum lugar do caminho o ser humano deixou-se brutalizar pela frieza da violência.
Jesus teria dificuldades, caso andasse com seus discípulos por nossas ruas e estradas hoje, para parar e convida-los a contemplar os lírios do campo. Não há mais lírios. Não há mais flores no viver das pessoas. Até nas Igrejas as "flores" são artificiais anunciando a tristeza do culto. Por que comprar flores? Se o dinheiro pode ser empregado em objetos frios, sem vida e nenhuma inspiração. Vale o consumo em coisas que aparentemente possuem maior longevidade, mas não transmitem o encanto da vida. Apesar da incapacidade de falar de flores. Admira-las. Deixar-se tocar por sua mensagem de amor.

A primavera continua a nos convidar a parar e olhar com emoção as flores que ainda restam. São belas e frágeis. Lembram-nos a brevidade dos nossos dias. Sem questionar enfeitam a vida e nos convidam a agradecer a existência que o Senhor nos permite viver. Importante é florir. Perfumar o ambiente onde estamos plantados. Servir, sem questionar o preço que a vida exige para sermos úteis.
Flores pressupõem frutos. Transmitem fragrâncias. Dão coloridos ao ambiente. Amenizam a angústia da despedida. Geram esperança. Alegram o coração triste. Trazem recordações românticas. Marcam datas importantes. Do ramalhete que dá boas vindas ao recém nascido. Ao buquê que a noiva leva com emoção e esperança de felicidade. Os arranjos que enfeitam o altar. À coroa que torna menos lúgubre a tumba fria, com sua mensagem de saudades, às vezes gratidão, as flores, em silêncio, dizem que viver é desafio. Especialmente quando vivemos para servir sem esperar recompensa e gratidão. As flores não esperam uma palavra de apreço. Apenas enfeitam. Cumprem o seu propósito, mesmo que para consegui-lo precisem ser cortadas do caule. Separadas da seiva que mantém a vida. Morrem para sobreviver na lembrança do belo. Das emoções que geram lagrimas de gratidão pelo tempo que não volta. Ensinam-nos a não viver no passado. A não permitir a ansiedade do futuro. Pois tanto passado como futuro integram o vazio que jamais será preenchido.

Eis a razão porque Jesus nos convida a olhar as flores do campo. Convicto que o Pai criou o mundo florido para manter viva a chama poética de sua criatura. Nossos lares, ambiente de trabalho, escola e Igrejas deveriam exalar o perfume das flores. Impossível contemplar uma flor sem um sorriso de paz e alegria. A primavera é convite a esquecer o frio inverno. É tempo de cantar aquela canção, embalados pelas flores da esperança.

"Aparecem as flores na terra. O tempo de cantar chega..." Ct 2:12.

Pr. Julio de Oliveira Sanchez

terça-feira, 20 de outubro de 2009

A Parábola da Montanha

Era uma vez um grupo de alpinistas cujo objetivo era escalar a Grande Montanha. Esses alpinistas, porém, queriam fazê-lo de forma diferente dos demais.

Ora, até aquele dia, todos os que tinham conseguido escalar com segurança a Montanha, chegando ao seu cume, tinham seguido um manual escrito por várias antigos alpinistas que, depois de suas longas experiências com a Montanha, foram orientados por Ela (sim, a Montanha) a descreverem-na para a posteridade por meio desse manual.

Essas orientações colocadas no manual foram ditadas pela própria Montanha àqueles primeiros alpinistas, porque Ela queria ser escalada por todos os alpinistas e então explicou com prazer como fazê-lo com segurança. Mas não revelou tudo sobre si mesma. Só o essencial para a escalada segura.

Assim, os primeiros alpinistas registraram apenas os detalhes suficientes para qualquer outro alpinista que viesse depois deles pudesse conhecer bem a Grande Montanha o suficiente para escalá-la sem problemas.

Todos que seguiam o manual se maravilhavam como ele era preciso e, ao segui-lo à risca, no meio da trajetória, tinham suas próprias experiências com a Grande Montanha, decorrentes da obediência às orientações do manual. Alguns destes resolveram depois até escrever sobre o manual, dizendo como o manual era perfeito e indicando seus pontos favoritos no manual e aqueles pontos que consideravam de grande importância nele. Escreveram seus "guias do manual". Porém, esses alpinistas faziam questão de frisar que seus "guias do manual" eram só um auxílio para as pessoas que queriam estudar o manual, e que o mais importante mesmo era as pessoas estudarem o manual e seguirem-no ao pé da letra em sua escalada.

Além disso, apesar de para uns alguns pontos favoritos não serem os mesmos para outros, e alguns pontos considerados importantes não o serem para todos, todos que seguiam o manual eram de comum acordo de que (1) o manual era perfeito e que (2) havia alguns pontos bem específicos do manual que eram, sem dúvida, fundamentais, indispensáveis, os mais importantes de todos os pontos do manual. Com esses pontos específicos, todos concordavam, todos eram de comum acordo. Ao ponto de dizerem que, se esses pontos não fossem observados pelos alpinistas, poderiam levá-los a um desastre. Aliás, isso era até muito fácil de entender, já que no próprio manual havia essa orientação sobre a importância e a indispensabilidade desses pontos específicos.

Porém, os alpinistas novos não levaram a sério essa recomendação e começaram a escalada desprezando muitos pontos fundamentais do manual, valorizando só aqueles que lhes pareciam importantes. E alguns deles nem se importavam mesmo com o manual. Diziam que o mais importante era curtir a escalada sem se importar com as regras do manual de escalada, mesmo que o próprio manual dissesse que havia pontos dele que não poderiam ser desprezados, pois eram orientações fundamentais deixadas pela própria Montanha. Alguns desses novos alpinistas chegaram até a propor uma revisão na interpretação sobre quais pontos seriam mesmo os mais fundamentais. E se alguém lhes alertava do perigo de fazerem isso, diziam que essas pessoas estavam influenciadas pelo que diziam os "guias do manual" que haviam sido escritos.

Porém, no final das contas, aqueles novos alpinistas se perderam na escalada, não haviam conseguido chegar no topo da Grande Montanha. Mesmo assim, orgulhosos, alguns deles propuseram a seguinte explicação: "Na verdade, quem disse que isso aqui não é o cume da Grande Montanha?" Ao que alguém replicou: "Mas pelo manual não parece ser o cume da Grande Montanha?" Ao que responderam: "E quem disse que os alpinistas que escreveram esse manual entenderam direito quando a Grande Montanha disse como era o Seu cume e como chegar a ele? Eles podem ter se confundido. Deve haver contradições no manual, já que quem o escreveu foram alpinistas diferentes em épocas diferentes que puderam ter entendido as palavras da Grande Montanha de forma diferente. As únicas coisas que o manual diz e de que podemos estar seguros é que isto é mesmo a Grande Montanha e ela tem um cume. Só isso. No mais, é curtir a escalada sem ficar muito preso a interpretações literalistas acerca do que diz o manual sobre o cume. E mesmo que isso aqui não seja o cume, tenho certeza de que ainda estamos no caminho certo e já já chegaremos ao cume".

E todos ficaram à vontade naquele lugar pensando que era o cume mesmo ou, pelo menos, meio caminho para ele. Alguns alpinistas que passavam por perto dali até alertaram aqueles alpinistas "muito inteligentes" que desprezavam os que eram literalistas no entendimento do manual. Porém, aqueles alpinistas "muito inteligentes" não deram bola para eles.

"O quê? Isso aqui não é o cume nem a direção certa para ele? Que nada! Quem disse que estamos errados? O manual? Vocês é que ficam muito presos a uma interpretação literalista do manual. Estão influenciados por esses "guias do manual" que escreveram tempos atrás. Lembrem-se que esses guias discordam entre si em alguns pontos! Nada garante que vocês estão certos. Além do mais, estamos bem aqui!"

Alguém até explicou: "Mas todos os guias já escritos sobre o manual concordam que vocês estão no caminho errado. Isso porque trata-se de um erro fundamental, não de pontos secundários do manual. Aliás, leiam o manual! No capítulo..."

"Não! Não me venha com essa! Nós conhecemos bem o manual! Continuem seus caminhos e deixem a gente curtir a escalada do jeito que a gente bem entende."

E por ali ficaram. Até quando, ainda não se sabe.

Autor: Silas Daniel
Verba volant scripta manent

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A Parábola da Bola.

Por Ed René Kivitz

Os dez homens importantes sentados ao redor da bola discutiam acaloradamente:

– A bola é grená, disse um.
– Claro que não, a bola é bordô, retrucou outro em tom raivoso.

Todos estavam fascinados pela beleza da bola e tentavam discernir a cor da bola. Cada um apresentava seu argumento tentando convencer os demais, acreditando que sabia qual era a cor da bola. A bola, no centro da sala, calada sob um raio de sol que entrava pela janela, enchia a sala de uma luminosidade agradável que deixava o ambiente ainda mais aconchegante, exceto para aqueles dez homens importantes, que se ocupavam em defender seus pontos de vista.

– Você é cego?, ecoou pela sala gerando um silêncio que parecia ter sido combinado entre os outros nove homens importantes. Era até engraçado de observar a discussão – na verdade era trágico, mas parecia cômico. Todos os dez homens importantes usavam óculos escuros, cada um com uma lente diferente. Talvez por causa dos óculos pesados que usavam, um deles gritou “você é cego?”, pois pareciam mesmo cegos.

Depois do susto, a discussão recomeçou. O sujeito que acreditava que a bola era cor de vinho debatia com o que enxergava a bola alaranjada, mas um não ouvia o que o outro dizia, pois cada um usava o tempo em que o outro estava falando para pensar em novos argumentos para justificar sua verdade. Aos poucos, a discussão deixou de ser a respeito da cor da bola, e passou a ser uma troca de opiniões e afirmações contundentes a respeito das supostas cores da bola. A partir de um determinado momento que ninguém saberia dizer ao certo quando, os dez homens tiraram os olhos da bola e passaram a refutar uns ao outros. Em vez de sugestões do tipo: – A bola é vermelha, todos se precipitavam em listar razões porque a bola não era grená, nem cor de vinho, nem mesmo alaranjada.

De repente, alguém gritou: – Ei pessoal, onde está a bola? Todos pararam de falar – estavam todos falando ao mesmo tempo, e foi então que perceberam um alarido parecido com aquelas gargalhadas gostosas que as crianças dão quando sentem cócegas. Correram para a janela e viram uma criançada brincando com a bola, que parecia feliz sendo jogada de mão em mão. Ficaram enfurecidos com tamanho desrespeito com a bola. Ficaram também muito contrariados com a bola, que parecia tão feliz, mas não tiveram coragem de admitir, afinal, a bola, era a bola.

Lá fora, sem dar a mínima para os dez homens importantes, estavam as crianças brincando e se divertindo a valer com a bola que os dez homens importantes pensavam que era deles. E nenhuma das crianças sabia qual era a cor da bola.

Fonte: http://outraespiritualidade.blogspot.com/2007/08/parbola-da-bola.html

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Dia do Professor...


Hoje dia 15 de Outubro, é o dia separado em nosso calendário para homenagearmos nossos mestres. Ontem, ao abrir minha caixa de mensagens, deparei-me com uma reflexão que me foi enviada por um professor que me ensinou e continua a me ensinar muito... Como forma de agradecimento e também em forma de homenagem , transcrevo aqui o texto que me enviou, que força-nos á uma profunda reflexão sobre razão, crença e dúvida...

Obrigado Professor Pita, por me indicar os caminhos de um pensar mais profundo !

Parabéns pelo dia do professor !

“O bom senso é constituído pela tendência natural para o justo e para o medíocre; é mais qualidade do caráter, do que do talento. Para ter considerável bom-senso, cumpre ser formado de sorte que a razão domine o sentimento e a experiência sobreponha-se ao raciocínio”


Talvez, o mergulho na busca de uma ética universal, capaz de transcender as diferenças entre culturas, é desafio ante o qual vacilaram os cérebros de um Tomás de Aquino, de um Leibniz, de um Kant, de um Schelling. Para fazermos uma idéia do gigantismo dessa pretensão, basta lembrar o versículo do Corão em que Allah, tendo prometido a salvação por igual a mulçumanos, judeus e cristão, lhe ordena:
“Concorrei na prática do bem, que no juízo final nós dirimiremos as vossas divergências”.

O perigo que nos espreita é o de entrarmos numa época em que os profetas e os santos, os místicos e os sábios, a que costumávamos confiar o guiamento de nossas almas, tenham de pedir guiamento, por sua vez, a sabedoria superior dos gerentes administrativos da alma, dos engenheiros comportamentais. Contemplando-a do alto dos céus, os anjos não terão por nós piedade, mas desprezo. Para a psicologia escolástica, o
sensus communis era a capacidade de aprender num objeto, para além dos traços captados pelos sentidos próprios (visão, olfato, etc.), a unidade da sua forma global, sem a qual se reduziria a um amontoado de sinais inconexos. Sem essa aptidão, não poderíamos sequer fugir de um cachorro que rosna, pois não saberíamos que o rosnado vem do cachorro.

Convido-o(a) a ler esse texto sem as lentes da miopia teológica dos nossos dias, talvez, poderemos ver sentido em algumas criticas que deram sentido ao ateísmo: sociológico de Marx, psicanalistico de Freud, niilista de Netzsche, ou mesmo o ateísmo do teísmo de Heidegger.
Em suma: leia tudo, retenha o que for bom e jogue fora o que não presta! A todos, um excelente dia!

Pita



CONTARDO CALLIGARIS

Razão, crença e dúvida


Onde se manifesta a razão? Na arrogância de certezas absolutas ou na capacidade de duvidar?


MEU PRIMEIRO contato com a história que segue foi em junho passado, no blog de Richard Dawkins (www.richarddawkins.net, site que se autodenomina "um oásis de pensamento claro"). Dawkins é o evolucionista britânico que se tornou apóstolo do racionalismo ateu e cético, escrevendo, entre outros livros, o best-seller mundial "Deus - Um Delírio" (Companhia das Letras, 2007). Mas eis a história.

Em 2002, na Austrália, o casal Sam, de origem indiana, perdeu a filha, Gloria, de nove meses.
A menina, a partir do quarto mês, apresentou sintomas de eczema infantil, que é uma condição alérgica que afeta mais de 10% dos bebês e, geralmente, acalma-se ou some aos seis anos ou na adolescência. As causas do eczema infantil não são bem conhecidas; a medicina administra a condição da melhor maneira possível, esperando que passe. O problema é que o eczema (pele seca com prurido) dá uma vontade de se coçar à qual as crianças não resistem, e a pele, ferida, abre-se para qualquer infecção.

Foi o que aconteceu com Gloria, que morreu de septicemia.
Não foi falta de sorte: o pai de Gloria é homeopata e, em total acordo com a mulher, medicou a menina só com remédios homeopáticos (insuficientes na condição da menina). Isso até o fim, quando ela definhava pelas infecções internas e externas. Gloria foi levada a um hospital três dias antes de morrer: as bactérias já estavam destruindo suas córneas, e os médicos só puderam lhe administrar morfina para aliviar seu sofrimento.

Os pais de Gloria foram presos, acusados de homicídio por negligência e, no fim de setembro, condenados pela Justiça australiana: o pai, a oito anos de prisão, a mãe, a cinco anos e quatro meses. Segundo o juiz, Peter Johnson, ambos os pais "faltaram gravemente com suas obrigações diante da filha": o marido pela "arrogância" de sua preferência pela homeopatia e a mulher pela excessiva "deferência" às decisões do marido.
Os termos da decisão de Johnson são admiráveis.

A obediência -ao marido, no caso-, seja qual for seu fundamento cultural, nunca é desculpa; ela pode ser, ao contrário, o próprio crime. E, sobretudo, o marido é condenado não por recorrer à homeopatia, mas pela "arrogância" que lhe permitiu perseverar em sua crença e em sua decisão diante do calvário pelo qual passava a menina.
A sentença de Peter Johnson é, para mim, um modelo de racionalidade, porque estigmatiza a certeza independentemente do objeto de crença. Ou seja, o juiz não discute o bem fundado da autoridade do marido e, ainda menos, os méritos respectivos da homeopatia e da medicina alopática. Tampouco ele quer limitar a liberdade de opinião, garantida pela Constituição; a sentença penaliza apenas, por assim dizer, a rigidez.

Se me coloco no lugar dos pais de Gloria, não consigo imaginar uma crença, por mais que ela possa ser crucial para mim, que resista à visão do corpinho de minha filha transformado numa ferida aberta e purulenta. Antes disso, eu (embora confiando, a princípio, na medicina alopática) já teria convocado não só os homeopatas (o que, aliás, seria uma banalidade, visto que a homeopatia é uma especialidade médica reconhecida) mas também todos os xamãs, feiticeiros e curandeiros que me parecessem minimamente confiáveis. E, é claro, embora agnóstico, eu rezaria, sem nenhuma vergonha e sem o sentimento de trair minhas "convicções", pois a primeira delas, a que resume minha racionalidade, diz, humildemente, que há muito no mundo que minha razão não alcança. Se fosse testemunha de Jeová, e minha filha precisasse de uma transfusão (que a religião proíbe), abriria imediatamente uma exceção. Mesma coisa se fosse cientologista, e minha filha precisasse de ajuda psiquiátrica. Sou volúvel e irracional?

O fato é que tenho poucas crenças (provavelmente, nenhuma absoluta), e acontece que, para mim, a razão é uma prática concreta, específica: um jeito de pesar e decidir em cada momento da vida.
O surpreendente é que, ao ler os comentários dos leitores no blog de Dawkins, os "racionalistas" parecem tão "rígidos" quanto o pai de Gloria. "A razão" (que eles confundem com uma visão aproximativa do estado atual da arte médica) é, para eles, um objeto de fé, uma crença pela qual facilmente condenariam os "infiéis" à fogueira.

Com o juiz Johnson, pergunto: onde se manifesta a razão? Na arrogância das certezas ou na capacidade de duvidar?

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Aprendendo com as lágrimas


Algumas pessoas ao vivenciarem situações amargas, tais como o luto inesperado, ruptura de relacionamentos, decepções amorosas, perdas materiais significativas, e muitas outras experiências adversas, são tomadas e dominadas por uma sensação de vazio, de perda de sentido. Não raro, são vencidas pela desmotivação generalizada; nem mesmo a dimensão da fé lhes é poupada da experiência do fracasso. Imaginam-se abandonadas por Deus e perdem o estímulo para acreditar. Silenciam a voz do louvor e desviam os olhos dos céus, como quem não tem mais esperança alguma.

É bem verdade que o sofrimento intenso deixa marcas profundas em nós. Corpo, alma e espírito são atingidos. Um sentimento de abandono, uma sensação de fracasso e inutilidade invadem o coração – a alma fica ao relento.

Por conta da vida marcada por dissabores, em algumas pessoas, as lágrimas tendem a apagar as marcas da fé. Sobretudo, naquelas em que a fé não é fruto de uma experiência, mas uma tradição, uma espécie de herança cultural, familiar. Incredulidade e o fracasso andam sempre juntos. Todavia, ainda assim, a fé insiste em permanecer viva, para fazer diferença.

É aquela voz, muitas vezes abafada pelo silêncio da perplexidade e do medo, que grita dentro de nós, despertando a alma para sonhar outra vez. A fé sempre emerge, sobrevivente, dentre os escombros do coração. Essa voz inquietante, que não se deixa silenciar, é o barulho de Deus no coração da gente, nos fazendo ouvir os sons da esperança. Deus não desiste de nós!

Não faz qualquer sentido deixar-se dominar pela tristeza, pela solidão, pela apatia e pelo desejo de não viver. O descaso com a vida é uma forma disfarçada e lenta de suicídio. Só os fracos desejam morrer! Também, só eles são ávidos em desistir.

Onde, então, buscar forças necessárias para a superação da dor e para a restauração dos sonhos? Para semear a partir de onde as lágrimas estão caindo. Somente em Deus! Ele é a grande fonte de nossa vitória. Deus não desiste de nós!

Quem redescobre o caminho da fé, pega carona nas asas da esperança. Como águia, voa sobre os montes. Sobrevoa a todas as barreiras da vida. Passa a conhecer novas estradas, como que pavimentadas de luz, e adornadas pelas cores da alegria e dos sonhos. Anda segurando na mão de Deus. Sabe que é um vencedor.

(Estevam Fernandes de Oliveira,Pastor da Primeira Igreja Batista de João Pessoa, PB, é Psicólogo ClínicoeTerapeuta Familiar, conferencista nas áreas de Família e Liderança; mestre e doutor em Ciências Sociais.Texto extraído do Jornal Correio da Paraiba, edição de Domingo, 28 de setembro de 2008 e divulgado entre amigos com autorização do autor).

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

A parábola da denominação rejeitada

Um dia, Deus, o Todo Poderoso, o Pai de Jesus, decidiu dar um basta. Era hora do juízo. Jesus fizera uma afirmação enfática (“E este evangelho do reino será pregado no mundo inteiro, em testemunho a todas as nações, e então virá o fim” – Mt 24.15) e ele iria cumpri-la. Antes do juízo, haveria um grande avivamento, com seu povo proclamando ao mundo a salvação em Jesus. A obra missionária teria um avanço como nunca, em toda a história. Ele não tinha preferência por nenhuma denominação, pois aceitava a todas, mas achou que uma, bem estruturada, com séculos de existência, e com igrejas em todos os países do mundo, poderia ser a ponta de lança do movimento. No passado, ela tivera grandes evangelistas e missionários.

Ele enviou seus anjos a diversos segmentos desta denominação. Eles ficaram alvoroçados. Pregar o evangelho era algo que eles mesmos quiseram fazer e Deus não deixara, confiando a tarefa à igreja (1Pe 1.12). Eles deveriam ir a vários líderes desta denominação e lhes dizer o que Deus iria fazer e o que esperava deles. Que alarido! Por fim, as coisas iriam se ajeitar. Chegara a hora!

Um grupo de anjos foi enviado a uma reunião de professores de seminários. Como pessoas que preparam pastores e pregadores, eles deveriam incutir no coração de seus alunos um profundo amor pela evangelização, paixão pelas almas perdidas, enfatizar a preparação de mensagens evangelísticas, e firmar a igreja na Palavra para ela dar um testemunho sério. Os seminários eram postos chaves.

Foi um choque. Os teólogos discutiam o alinhamento com uma ideologia política. Depois, finanças. Depois, técnicas de ensino. Depois, comentários sobre como seus seminários eram bons e como eles tinham dúvidas sobre os outros, sem o peso intelectual e acadêmico que eles tinham. Os anjos os procuraram, assim mesmo, e lhes expuseram o plano de Deus. Os líderes ficaram atônitos, sem saber o que dizer. Por fim, um deles explicou aos anjos que eles estavam defasados. Não haveria um juízo final. A graça salvara todos os homens. A obra de Jesus tinha um alcance que o céu não imaginava. Não havia uma coisa como “salvação”. A igreja não tinha que se preocupar com isto, mas em ser amiga, mais humana, mais próxima dos homens. Um dos anjos perguntou como as pessoas sem Cristo seriam salvas, se não pela cruz de Jesus. Um teólogo respondeu que era difícil sustentar o exclusivismo, a idéia de que só Jesus salva. Isto era coisa de Cipriano. Numa época de luzes, de bondade disseminada, de educação mais refinada, como sustentar que Deus iria “assar pessoas por toda a eternidade” só por não serem da igreja?

Os anjos já tinham ficado desconfiados ouvindo as palestras. Viram sistemas educacionais humanos serem apresentados como padrão para os seminários. Era pedagogia da libertação, pedagogia humanista, pedagogia iluminista e muitos pensadores perdidos mostrados como modelos. Um anjo até perguntara a outro: “Ué, por que não seguem a pedagogia de Paulo? É tão simples: ‘e o que de mim ouviste de muitas testemunhas, transmite-o a homens fiéis, que sejam idôneos para também ensinarem os outros’ – 2Tm 2.2)”. Mas como não foram treinados com a habilidade verbal dos teólogos, ficaram sem ter o que dizer.

Um anjo tentou argumentar, dizendo que não era isto que a Bíblia dizia. Os teólogos riram e um disse que a Bíblia expressava uma visão culturalmente limitada de escritores rudes, e que critérios hermenêuticos e pesquisas de crítica textual hoje mostravam o que eles deveriam ter dito. Aflito, um anjo jogou a última cartada. “Mas não foi isto que Deus previu!”. Os teólogos voltaram a rir. Um deles orientou o anjo a procurar as obras de Pinnock. Deus não era onisciente, estava aprendendo com os homens, e não existe algo como o futuro. Logo, o que Deus previra não aconteceria, pois o futuro está aberto. E perguntou ao anjo: “Você não conhece o teísmo aberto?”. O anjo perguntou que teologia ele sustentava, e o teólogo respondeu que era um “teólogo pós-cristão”. Anjos não costumam desmaiar, mas este quase o fez.

Os anjos desistiram de argumentar e se foram. Quando saíam, um dos mestres disse a outro: “Anjos coisa nenhuma! Esses aí se esqueceram de tomar o remédio hoje!”

Outro grupo de anjos foi a uma reunião de pastores. Era um ótimo lugar. Os pastores discutiram o novo regimento, depois liturgia e depois ordenação feminina. Nada sobre o avanço do reino. Os anjos esperaram pacientemente, e procuraram os líderes e expuseram o recado de Deus. Os pastores disseram que isto não estava em pauta. O “chefão”, por exemplo, disse que estava preocupado com uma mega-igreja e não se aliaria a colegas que tinham uma visão diferente, muito pequena. Eles até o haviam criticado. Outro disse que quando Deus o chamara pusera um sonho no seu coração: ele seria um dos “grandões”, escreveria seu nome na história da denominação. Como levaria sua igreja a sustentar um monte de pastores e missionários sem expressão em lugares insignificantes, que não davam retorno de grandes multidões? Como ter uma igreja grande assim? Um terceiro disse que chamar as pessoas de pecadoras e dizer que elas precisam se arrepender e crer era pouco produtivo. Ele fizera pesquisa no seu bairro, descobrira o que as pessoas queriam e lhes oferecia um ambiente amigo. Criara um ambiente de descontração, de liberação de energias, de camaradagem, e evangelizar era algo polêmico. O quarto disse que a prioridade era o novo sistema de som e o novo uniforme para a equipe de coreografia, além de construir uma quadra de esportes para chamar a rapaziada do bairro. Missões lá no fim do mundo? Não fazia sentido! Sua igreja nada ganharia com isto.

Boquiabertos (anjo tem boca) os anjos se retiraram. Ainda ouviram um pastor dizer: “Cada uma que aparece!”.

O grupo que foi a uma assembléia convencional se assustou com as discussões e notou que os pastores não procediam como exigiam que suas ovelhas procedessem nas assembléias das igrejas. Alguns eram grosseiros e violentos. Mas procuraram os pastores responsáveis e expuseram sua missão. Foram orientados a se inscreverem como mensageiros para terem direito a voz, pois não eram autoridades políticas a quem se franqueia a palavra. E então encaminhassem seu assunto à “Comissão de Assuntos Eventuais”. Outro pastor disse que tal nome estava errado. Deveria ser “Assuntos Especiais”. Os dois travaram longa discussão. Os anjos ficaram meio desnorteados, mas insistiram em que tinham uma mensagem de Deus e não podiam perder tempo com burocracia. Então lhes deram cinco minutos, após o programa de missões, já que o assunto deles era missões. Mas, findo o programa missionário, as pessoas se retiraram, conversando em voz alta, os adolescentes que entraram com bandeiras e trajes típicos fizeram muito barulho nos bastidores, os crentes que ficaram estavam se confraternizando e outros já estavam muito cansados. A mesa conversava entre si sobre a ordem do dia da próxima sessão, e a palavra dos anjos passou em branco.

Os anjos destinados a falarem com os músicos não tiveram melhor proveito. Depois que expuseram sua missão, ouviram como resposta que músicas sobre conversão, arrependimento e cruz não atraíam os não crentes. A linguagem tinha que ser amiga, descontraída. E que compor músicas falando sobre evangelizar, contribuir, fazer missões, não dava certo. A linguagem era adorar, contemplar, ser adorador (ser servo não dava ibope), mergulhar nos rios, subir acima dos querubins, entronizar. E ritmo que levasse a pensar e refletir sobre situação espiritual era sinal de fracasso. O negócio era um ritmo agitado para as pessoas se soltarem. Foi então que um dos anjos entendeu porque o fundo musical de um momento de oração silenciosa fora a bateria violentamente espancada. O anjo se admirara da capacidade dos humanos em se concentrarem e refletirem, e cultivarem momento de oração silenciosa com aquele barulho todo. Mas agora via que era outra coisa. Outro anjo compreendeu porque não falavam de Jesus, de cruz, de perdão. Eles queriam entretenimento e levar as pessoas a terem bons momentos.

Outros anjos foram enviados a pessoas. Um empresário disse que não sustentaria missionários. Como gastar seu dinheiro assim? Ele fora abençoado materialmente porque participara de um congresso onde aprendera a saquear as riquezas dos ímpios. Ganhara muito, é verdade, mas se comprometera com o ministério de um pastor da televisão que orara por ele e levara seu nome para uma fogueira santa em Israel. Já assumira compromisso. Outro disse que não gostava de árabes nem de africanos. Por que contribuir para evangelizá-los? Um terceiro não quis receber os anjos e disse à secretária: “Dízimo é coisa da Lei e é uma exploração dos pastores insistirem nisso, e agora vêm esses camaradas dizendo que são anjos e que devo investir em missões! Meu dinheirinho é sagrado! É meu! Cada pirado!”.

Desolados, os anjos voltaram para dar relatório a Deus. Mas este, que sonda as mentes e os corações, já sabia de tudo, mesmo com Pinnock e outros dizendo que não. Agradeceu aos anjos pelo esforço, e disse: “Tudo bem. Isto apenas prova que o tempo deles passou. Eles perderam o rumo”. Mestre em escolher coisas pequenas e sem valor, Deus decidiu usar um pequeno grupo, piedoso, que não recebia muita atenção dos luminares denominacionais e eclesiásticos, e que os intelectuais evangélicos ironizavam. Ele disse: “Usarei este povo”.

Aquela denominação perdeu sua grande oportunidade. O avivamento floresce em outros segmentos, ela olha para si mesmo, seus pastores continuam pensando em megas-igrejas e hiper-ministérios, não apóiam os outros nem investem na evangelização mundial.

Deus vai usando outras pessoas. Quando o fim vier, ele acertará as contas.

Isaltino Gomes Coelho Filho

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