Hoje dia 15 de Outubro, é o dia separado em nosso calendário para homenagearmos nossos mestres. Ontem, ao abrir minha caixa de mensagens, deparei-me com uma reflexão que me foi enviada por um professor que me ensinou e continua a me ensinar muito... Como forma de agradecimento e também em forma de homenagem , transcrevo aqui o texto que me enviou, que força-nos á uma profunda reflexão sobre razão, crença e dúvida...
Obrigado Professor Pita, por me indicar os caminhos de um pensar mais profundo !
Parabéns pelo dia do professor !
Parabéns pelo dia do professor !
“O bom senso é constituído pela tendência natural para o justo e para o medíocre; é mais qualidade do caráter, do que do talento. Para ter considerável bom-senso, cumpre ser formado de sorte que a razão domine o sentimento e a experiência sobreponha-se ao raciocínio”
Talvez, o mergulho na busca de uma ética universal, capaz de transcender as diferenças entre culturas, é desafio ante o qual vacilaram os cérebros de um Tomás de Aquino, de um Leibniz, de um Kant, de um Schelling. Para fazermos uma idéia do gigantismo dessa pretensão, basta lembrar o versículo do Corão em que Allah, tendo prometido a salvação por igual a mulçumanos, judeus e cristão, lhe ordena: “Concorrei na prática do bem, que no juízo final nós dirimiremos as vossas divergências”.
O perigo que nos espreita é o de entrarmos numa época em que os profetas e os santos, os místicos e os sábios, a que costumávamos confiar o guiamento de nossas almas, tenham de pedir guiamento, por sua vez, a sabedoria superior dos gerentes administrativos da alma, dos engenheiros comportamentais. Contemplando-a do alto dos céus, os anjos não terão por nós piedade, mas desprezo. Para a psicologia escolástica, o sensus communis era a capacidade de aprender num objeto, para além dos traços captados pelos sentidos próprios (visão, olfato, etc.), a unidade da sua forma global, sem a qual se reduziria a um amontoado de sinais inconexos. Sem essa aptidão, não poderíamos sequer fugir de um cachorro que rosna, pois não saberíamos que o rosnado vem do cachorro.
Convido-o(a) a ler esse texto sem as lentes da miopia teológica dos nossos dias, talvez, poderemos ver sentido em algumas criticas que deram sentido ao ateísmo: sociológico de Marx, psicanalistico de Freud, niilista de Netzsche, ou mesmo o ateísmo do teísmo de Heidegger. Em suma: leia tudo, retenha o que for bom e jogue fora o que não presta! A todos, um excelente dia!
Pita
CONTARDO CALLIGARIS
Razão, crença e dúvida
Onde se manifesta a razão? Na arrogância de certezas absolutas ou na capacidade de duvidar?
MEU PRIMEIRO contato com a história que segue foi em junho passado, no blog de Richard Dawkins (www.richarddawkins.net, site que se autodenomina "um oásis de pensamento claro"). Dawkins é o evolucionista britânico que se tornou apóstolo do racionalismo ateu e cético, escrevendo, entre outros livros, o best-seller mundial "Deus - Um Delírio" (Companhia das Letras, 2007). Mas eis a história.
Em 2002, na Austrália, o casal Sam, de origem indiana, perdeu a filha, Gloria, de nove meses. A menina, a partir do quarto mês, apresentou sintomas de eczema infantil, que é uma condição alérgica que afeta mais de 10% dos bebês e, geralmente, acalma-se ou some aos seis anos ou na adolescência. As causas do eczema infantil não são bem conhecidas; a medicina administra a condição da melhor maneira possível, esperando que passe. O problema é que o eczema (pele seca com prurido) dá uma vontade de se coçar à qual as crianças não resistem, e a pele, ferida, abre-se para qualquer infecção.
Foi o que aconteceu com Gloria, que morreu de septicemia. Não foi falta de sorte: o pai de Gloria é homeopata e, em total acordo com a mulher, medicou a menina só com remédios homeopáticos (insuficientes na condição da menina). Isso até o fim, quando ela definhava pelas infecções internas e externas. Gloria foi levada a um hospital três dias antes de morrer: as bactérias já estavam destruindo suas córneas, e os médicos só puderam lhe administrar morfina para aliviar seu sofrimento.
Os pais de Gloria foram presos, acusados de homicídio por negligência e, no fim de setembro, condenados pela Justiça australiana: o pai, a oito anos de prisão, a mãe, a cinco anos e quatro meses. Segundo o juiz, Peter Johnson, ambos os pais "faltaram gravemente com suas obrigações diante da filha": o marido pela "arrogância" de sua preferência pela homeopatia e a mulher pela excessiva "deferência" às decisões do marido. Os termos da decisão de Johnson são admiráveis.
A obediência -ao marido, no caso-, seja qual for seu fundamento cultural, nunca é desculpa; ela pode ser, ao contrário, o próprio crime. E, sobretudo, o marido é condenado não por recorrer à homeopatia, mas pela "arrogância" que lhe permitiu perseverar em sua crença e em sua decisão diante do calvário pelo qual passava a menina. A sentença de Peter Johnson é, para mim, um modelo de racionalidade, porque estigmatiza a certeza independentemente do objeto de crença. Ou seja, o juiz não discute o bem fundado da autoridade do marido e, ainda menos, os méritos respectivos da homeopatia e da medicina alopática. Tampouco ele quer limitar a liberdade de opinião, garantida pela Constituição; a sentença penaliza apenas, por assim dizer, a rigidez.
Se me coloco no lugar dos pais de Gloria, não consigo imaginar uma crença, por mais que ela possa ser crucial para mim, que resista à visão do corpinho de minha filha transformado numa ferida aberta e purulenta. Antes disso, eu (embora confiando, a princípio, na medicina alopática) já teria convocado não só os homeopatas (o que, aliás, seria uma banalidade, visto que a homeopatia é uma especialidade médica reconhecida) mas também todos os xamãs, feiticeiros e curandeiros que me parecessem minimamente confiáveis. E, é claro, embora agnóstico, eu rezaria, sem nenhuma vergonha e sem o sentimento de trair minhas "convicções", pois a primeira delas, a que resume minha racionalidade, diz, humildemente, que há muito no mundo que minha razão não alcança. Se fosse testemunha de Jeová, e minha filha precisasse de uma transfusão (que a religião proíbe), abriria imediatamente uma exceção. Mesma coisa se fosse cientologista, e minha filha precisasse de ajuda psiquiátrica. Sou volúvel e irracional?
O fato é que tenho poucas crenças (provavelmente, nenhuma absoluta), e acontece que, para mim, a razão é uma prática concreta, específica: um jeito de pesar e decidir em cada momento da vida. O surpreendente é que, ao ler os comentários dos leitores no blog de Dawkins, os "racionalistas" parecem tão "rígidos" quanto o pai de Gloria. "A razão" (que eles confundem com uma visão aproximativa do estado atual da arte médica) é, para eles, um objeto de fé, uma crença pela qual facilmente condenariam os "infiéis" à fogueira.
Com o juiz Johnson, pergunto: onde se manifesta a razão? Na arrogância das certezas ou na capacidade de duvidar?
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