Atingidos pelos Reflexos...

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Beleza Americana


“Sede sóbrios e vigilantes. O diabo, vosso adversário, vos rodeia como um leão a rugir, procurando a quem possa devorar”. (I Pedro 5.8)

Você já assistiu ao filme “Beleza Americana” ? É um filme profundo e forte, que explora temas tais como a importância imposta pelas sociedades modernas na aparência e no êxito econômico, e mostra como estes reduzem as relações interpessoais, deformando-as e, muitas vezes, gerando a necessidade de um escape, reduzindo a existência a um mero teatro apenas com a função de movimentar um sistema social e econômico medíocre onde de fato apenas poucos usufruem livremente da plena liberdade e soberania.

Cada personagem ali representa alguém infeliz com seu mundo, com sua vida. A vida que levam é envolvida pela mediocridade. Todos aparentam ser algo que na verdade não são. Todos são, no fundo, infelizes, frustrados, amargurados e tristes.
O filme nos faz pensar em como é fácil nos deixarmos levar por essa vida fútil, sendo arrastados para um mundo de convenções sociais, de papéis a cumprir. E a medida que nos deixamos envolver por essa rotina, vamos perdendo o brilho, a alegria e a felicidade.

Enfim, isto nos proporciona um bom momento para refletirmos sobre nossa vida. E isso exige de nós, uma dose muito grande de sinceridade em nossa auto-avaliação. Estamos vivendo uma existência realmente autêntica ou inautêntica? Estamos apenas cumprindo papéis sociais e nos esquecendo de ser felizes e de realizar nossos sonhos ?

O texto bíblico de I Pedro é bastante sugestivo para guiar nossa reflexão. Ele fala de um personagem bíblico cuja importância não pode ser menosprezada: O “diabo”.

Os símbolos e os diábolos.

“Diabo” vem do grego “diabolos”. Essa palavra na língua grega é formada pelo verbo “ballein” que significa “lançar”, “atirar”. Porém, aquilo que é lançado pode ser a favor ou contra alguém. Se é lançado contra alguém, na qualidade de obstáculo ou impecilho, o verbo é antecedido pela preposição “dia”. Portanto “dia-ballein” é “lançar contra”, “atrapalhar”, “obstruir”. Quando algo é lançado a favor, como uma corda para auxílio ou uma ponte para união de duas coisas separadas, o verbo é antecedido pela preposição “syn”. Desse modo, “symballein” é tudo aquilo que é lançado como auxílio. Vemos portanto, qual o significado da palavra “símbolo”. É a mesma raiz. Símbolo é tudo aquilo que nos auxilia na compreensão de nós mesmos e do mundo que nos cerca. “Diábolos” é tudo aquilo que nos atrapalha, que nos obstrui, que impede nosso crescimento e a compreensão de nós mesmos, da realidade à nossa volta e acima de nós. Portanto o oposto de “diabólico” é o simbólico. É por isso que como já escrevi antes aqui, ajudado pelo meu irmão Silvio e pelo poeta Fernando Pessoa, a palavra de Deus e a obra redentora de Jesus na cruz é melhor entendida através de símbolos e não de “diábolos”.

“Sede sóbrios e vigilantes. O diabo, vosso adversário, vos rodeia como um leão a rugir, procurando a quem possa devorar”. Em nossa vida somos continuamente assediados pelo diabólico, essa realidade perversa impregnada na sociedade e nos valores do mundo. Essa estrutura nos rodeia procurando nos devorar. E quando consegue, nossas vidas se tornam medíocres, fúteis, banais, comuns e falsas, como a vida dos personagens do filme “Beleza Americana”.

Como enfrentar os diábolos ?

Jesus os enfrentou na solidão do deserto. Acredito que o tempo em que vivemos é oportuno para revivermos espiritualmente essa experiência: deserto e solidão. Infelizmente não temos dado valor à solidão. Tornou-se comum com o passar dos tempos vermos a solidão (ou solitude), como algo negativo. Mas não deveria ser assim. Os desertos sempre foram lugares procurados por místicos e pessoas de espírito mais contemplativo. Ao deserto estão associadas idéias de recolhimento, contemplação, oração, meditação e interiorização.

Nosso desafio é que voltemos a exercitar esses momentos tão preciosos de solidão e introspecção. Isso faz muito bem. Quem valoriza esses momentos sabe do que estou falando. Quando estamos no interior de um templo religioso por exemplo: Uma igreja vazia e silenciosa motiva o recolhimento interior, ao contrário de um local barulhento, com muito ruído, sons, conversas e gritos. Conversando com uma pessoa dia desses na igreja, falávamos sobre as músicas “pop-evangélicas” tocada hoje dentro da liturgia do culto e de como as baterias, guitarras e demais equipamentos eletrônicos que potencializam o som desses instrumentos tornaram-se elementos principais e essenciais na “nova liturgia” moderna. Apesar de não ser tão velho, sou do tempo em que a música dentro da igreja conduzia mais à reflexão e interiorização da mensagem do evangelho do que ao êxtase e deslumbre do “louvor” moderno.

Você há de concordar comigo, que é muito melhor uma praia deserta no final da tarde, do que aquelas cheias de gente, vendedores gritando e lixo. Na primeira a inspiração é muito maior. Uma caminhada por uma trilha na natureza ou uma escalada, por exemplo, é infinitamente melhor que qualquer passeio em um Shopping Center.
Deserto, não é apenas um lugar geográfico. É um espaço espiritual que trabalhado pela graça de Deus pode produzir em nós muitos e surpreendentes frutos.
Porque evitamos os desertos e os momentos de solidão ?

Por medo e insegurança. É sempre melhor estar envolvido em constante ativismo porque isso evita que nos confrontemos com nossas feras, aquilo que Jung chamou “nossas sombras”, aquele lado oculto em nós que pouco conhecemos e que não gostamos em nós mesmos. Por isso as pessoas se cercam de diversões, de sons, barulhos, ruídos, uma roda de ativismo desenfreado porque não têm coragem de defrontar-se com o tentador, com a sombra que habita em nós, com o “diábolos”.

Falamos muito em vida comunitária, na necessidade de criar uma comunidade, e isso é salutar. Mas isso não pode nos afastar desses momentos de deserta solidão. Deserto é, por definição, um lugar solitário. Não há nenhum outro ser humano ali para nos ajudar. Ali no deserto estamos sozinhos com Deus e com o diabo. Ás vezes as únicas companhias que nos aparecem são as feras, as nossas próprias feras. E não são todos que gostam disso.

Ali no deserto não há pastor, padre ou psicólogo. Estamos sós. E necessitamos desses momentos a sós para crescer. Deserto é também lugar silencioso. E por ser assim, estamos mais sensíveis e vulneráveis aos ruídos interiores, às feras que rugem dentro de nós. Podemos conhecer melhor os sentimentos ruins que nos habitam, o lado sombrio de nossa natureza e personalidade. Não despreze esses momentos. Eles são valiosos.

Assim é o deserto. Lugar onde a solidão existencial é total. Lugar onde se diz: “Estou perdido”. Ali onde todos os gritos por socorro são inúteis, pois não há referenciais e ninguém por perto para escutar. Ali, onde estamos mais frágeis e vulneráveis. Ali, onde aprendemos a valorizar o que é essencial na vida. Ali onde em meio às provas nosso caráter e a personalidade se formam e se solidificam.
Jesus foi ao deserto, João Batista vivia no deserto, o povo de Israel passou pelo deserto antes de alcançar a terra prometida. O apóstolo Paulo após sua conversão esteve no deserto da Arábia preparando-se para sua missão. Portanto, não menospreze a necessidade, o valor e o significado do deserto em sua vida.

Conclusão:

As feras que nos rodeiam são astutas, sagazes e tremendamente persuasivas. É preciso muita força espiritual para resisti-las. E essa força vem do alto. É o poder transcendente de Deus. E esse poder nós descobrimos quando nos fortalecemos no único apoio que nos resta quando estamos no deserto. Ali não há mais ninguém a recorrer, exceto Deus mesmo.

Faça do seu deserto um período de experiência com Deus, um período de autoconhecimento, purificação, busca de equilíbrio e crescimento espiritual. Permaneça sóbrio e vigilante. Há forças destrutivas ao seu redor. Mas ao seu redor também está a força maior do Deus que não nos abandona.

José B. Silva Junior

C/ extratos do livro:
“Entre o Púlpito e a Universidade”
Carlos Calvani

Um comentário:

  1. Nossa, José Junior, incrível! Meu nome é Rafael, e se eu te contar vc não vai acreditar, mas recentemente de uns tempos para cá comecei a entender sobre exatamente esse assunto que você está tratando neste tópico (a solidão) e tenho aprendido muito desde então, pois por mais que eu tente fugir disso, sair e fazer coisas para tentar me animar, eu acabei percebendo que a única coisa que realmente resolve é enfrentar isso através de momentos de solidão e reflexão e é aí que eu finalmente consigo aliviar essa dor e achar uma sensação de paz e felicidade realmente verdadeira. E o mais espantoso é que ao assistir a esse filme (Beleza americana) fiquei muito impressionado, ele realmente mexeu comigo, e então resolvi pesquisar na internet para obter mais informações sobre o filme, talvez algumas explicações e eis que sou trazido até o seu blog. Isso é incrível, não pode ser uma simples conhecidência, é como se eu tivesse sido atraído através da força do pensamento ou energia. Vou começar a acessar mais frequentemente o seu blog, pois acho que posso aprender coisas com você. Obrigado. Meu e-mail para contato é duffrapafi@hotmail.com

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