De que modo lidamos com aquilo que é diferente, com o que é estranho aos nossos costumes?
Como reagimos diante de pessoas ou situações que não seguem a normalidade com a qual estamos habituados?
São perguntas importantes que requerem de nós um auto-exame, e as respostas que dermos revelarão muito sobre nós.
Há uma história bíblica que todos conhecemos e nos ajuda a pensar sobre as perguntas. É a história de Jonas, o profeta que foi enviado à grande cidade de Nínive, capital da Assíria. Recusando-se a pregar em terras pagãs, foi tragado por um grande peixe, experimentando o isolamento e depois disso resolveu seguir para completar sua missão. Porém, chegando à cidade de Nínive, só anunciou condenação aos seus habitantes. Jonas, infelizmente era preconceituoso demais para se apaixonar por aquelas pessoas.
Os textos bíblicos que falam do profeta Jonas, tanto no Antigo como no Novo Testamento, provoca em nós uma reflexão sobre o universalismo de Deus, e o particularismo dos grupos judaicos, que na época do Velho Testamento eram ligados à Esdras e Neemias, que nos tempos de pós exílio foram os responsáveis por iniciar o processo de expulsão de estrangeiros e a dissolvição de casamentos mistos no meio do povo de Israel.
A história do profeta Jonas então é um contra ponto ao projeto de Esdras e Neemias. É um texto que nos convida hoje a refletir sobre como encaramos aquilo que nos é estranho, aquilo que é diferente, aquilo com o que não estamos acostumados. É um texto que nos esbofeteia denunciando nossos preconceitos e a visão limitada que temos do amor de Deus.
Encarar o que é estranho e diferente nunca é fácil. Nossa primeira reação é sempre a rejeição. Mas por que será que isso acontece? Por que reagimos assim? Infelizmente temos essa tendência de só admirarmos o que se parece conosco, só simpatizar com o que é semelhante a nós.
Boa parte dos Judeus que lideraram a reconstrução de Israel após o exílio na Babilônia partilhava de forte sentimento de rejeição para com as demais culturas. Desenvolveu-se nessa época acentuado preconceito na cultura judaica sobre tudo o que fosse diferente. Todas as outras culturas eram vistas de forma suspeita, principalmente suas religiões.
Deus, porém não permaneceu quieto diante desse aumento de mediocridade. Deus chama e envia Jonas para ser benção para todos os povos. O profeta luta contra essa missão, a ponto de se sentar no alto de um monte para contemplar a destruição daquela cidade, ao invés disso, contempla desolado, o oposto. A conversão dos habitantes de Nínive.
Cabe aqui uma forte crítica ao fundamentalismo que foge das doutrinas bíblicas, seja ele de qualquer origem – judaico, islâmico ou cristão. Para muitas pessoas é preferível morrer a ver seus “inimigos” ou os diferentes serem aceitos por Deus. Contemplar nesse caso, a benção divina a povos de outras religiões ou culturas é vergonhoso e angustiante.
No evangelho de Mateus, lemos uma parábola onde Jesus diz que uma certa pessoa, representando Deus decide ter misericórdia de diaristas que foram chamados a trabalhar no final do dia, pagando-lhes pelo trabalho a mesma quantia que havia combinado com os outros que cumpriram toda a jornada diária. A primeira reação que temos frente a essa história é rejeitá-la. Dentro da lógica humana regulada pelas relações de troca e recompensa, a narrativa de Mateus soa como uma grande injustiça.
Isso acontece porque vivemos contaminados pelo valores desse mundo, onde não há espaço para compaixão, onde gestos de desprendimento e doação são vistos como loucura e assim imaginamos que Deus deva agir exatamente como agimos.Se nossa primeira reação diante da parábola é de estranhá-la e considerá-la injusta, é porque nossa lógica é a mesma dos fariseus, é sinal de que ainda não compreendemos a profundidade da justificação que ensina que Jesus justifica aos injustos e não aos “bons”. Ao final da parábola Jesus lança uma pergunta aos ouvintes: “os teus olhos são maus, porque eu sou bom?”, numa outra tradução poderíamos encontrar: “Porque você se incomoda tanto diante de minha bondade?”
O livro de Jonas é o único das escrituras que não termina com uma afirmação. Mas com uma interrogação, assim como curiosamente a parábola ensinada por Jesus também. E assim não sabemos se tanto Jonas como as pessoas que ouviam Jesus conseguiram ver as coisas com novos olhos e compreenderem a lógica da misericórdia.
O fato do livro de Jonas terminar com uma pergunta indica que a interpretação não está dada e que essa pergunta é feita a cada um de nós.
Jonas sou eu e Jonas é você. Os ouvintes da parábola somos todos nós. Por isso para ser fiel ao estilo das escrituras, essa postagem não tem uma conclusão como de costume. Ao final de meus textos geralmente tento deixar alguma afirmação, algum direcionamento, alguma orientação clara e precisa... (assim aprendemos nas aulas de homilética). Mas dessa vez não vou terminar dizendo o que devem fazer ou pensar. As perguntas que vimos na leitura foram dirigidas a cada um de nós e exigem respostas pessoais.
“Não terei eu compaixão dos diferentes?”
“Os teus olhos são maus porque eu sou bom?”
Como você responderá a essas perguntas ?
José B. SIlva Junior
Extratos do livro:
Entre o Púlpito e a Universidade
Carlos E.B. Calvani.