Há um cântico tradicional, cantado na maioria das igrejas evangélicas que diz: “ Nesta noite feliz, neste santo lugar, eu marquei um encontro com Deus”. A teologia desse cântico é de duvidosa qualidade, por pressupor que eu e você é que tomamos a iniciativa de marcar um encontro com Deus. Como que o intimando a comparecer “nesse santo lugar” que geralmente é a igreja onde nos encontramos.
Porém, inspirados pela palavra do Evangelho, é necessário admitir que, de fato há um encontro marcado há séculos entre nós e Jesus. Mas um encontro marcado não por nós e sim pelo próprio Cristo ressuscitado.
Por isso, o convite feito a cada um de nós é o de ir ao encontro do Cristo ressuscitado e descobrir onde Ele atua hoje, partindo do princípio de que Sua vida se manifesta onde quer que os valores do Reino sejam vividos e pregados. Porém, ainda que saibamos disso, corremos o risco de imaginar que Cristo atua somente onde nós facilmente o identificamos: Na pregação da Palavra, dentro de um templo cristão, na celebração da ceia, ou nos trabalhos da igreja que tradicionalmente desempenhamos.
É certo que a amplitude da ação do Cristo ressuscitado é muito maior do que imaginamos. E podemos considerar com convicção que Jesus está vivo e ativo em lugares que geralmente não consideramos.
Um trecho do evangelho de Mateus nos orienta a respeito disso:
“Ide à Galiléia... Lá o vereis” Mt 28:7
Foi na Galiléia onde o Cristo ressuscitado se mostrou aos discípulos, e poucas vezes prestamos atenção a esse detalhe. A Galiléia mais do que um lugar geográfico, é também um lugar simbólico de onde podemos nos encontrar com o Cristo vivo hoje.
A Galiléia era uma região muito pobre, de pouquíssima importância nos dias de Jesus. Era o lugar menos significativo e mais desprezado pela elite judaica. Era conhecida como a “Galiléia dos gentios”, do “povo que não conhece a lei”, a “ Galiléia dos pecadores”, habitada por um povo sincrético e que aos olhos dos habitantes de Jerusalém, eram pessoas de moral duvidosa. Muitos judeus consideravam esse lugar a vergonha da nação, tanto que Natanael disse á Filipe as seguintes palavras: “Acaso de Nazaré pode sair algo de bom ?” Era um fato, na mente de muitos judeus: nada de bom poderia vir da Galiléia. (Jo 7:41,52)
Talvez a nossa dificuldade em compreender o Cristo ressuscitado hoje e de encontrá-lo mais vivo do que nunca, resida no fato de que não estamos dispostos a pôr os pés na nossa Galiléia. Preferimos procurá-lo no templo, entre os sacerdotes, padres e pastores. Por isso é mais cômodo “marcar um encontro com Jesus” no “santo lugar” que é a igreja.
Mas não foi a Jerusalém, centro do poder político, econômico e religioso, que o anjo recomendou encontrar o Cristo vivo. Foi à Galiléia. Foi para lá que o poder de Cristo migrou após a ressurreição. Ele nos precede exatamente ali, onde temos tantas dificuldades para ir: ao encontro dos pecadores, dos sofredores, dos desempregados, dos sincréticos, das pessoas cuja ética e religião não se enquadram em nosso padrão burguês de igreja.
É interessante a expressão: “Ele vos precede...” Significa que Ele já está lá... nos esperando. Quando aceitarmos o fato de que Cristo está vivo na Galiléia e atualizarmos essa grande verdade em nossas vidas, certamente compreenderemos algumas coisas determinantes para identificarmos a presença de Cristo em nosso mundo.
A Galiléia é a periferia social de nosso tempo, o lugar onde as grandes cidades tentam esconder os excluídos e proscritos, aqueles que não têm acesso aos bens de consumo e aos privilégios dos grandes centros urbanos. A Galiléia é a periferia onde se encontram os desempregados, os que não receberam qualificação para o mercado de trabalho, os que vivem das sobras de lixo reciclável e os doentes que nunca são devidamente atendidos na rede de saúde pública. Pode parecer estranho, mas é lá que o Cristo ressuscitado está agindo. É lá na periferia que Ele nos espera. Lá é o local do encontro que Ele marcou conosco, o “santo lugar”.
Cristo hoje está vivo não na segurança de Jerusalém, mas na insegurança representada pela Galiléia. Por isso também a Galiléia é símbolo da pós-modernidade. Cristo está naquilo que é incerto, naquilo que é desconhecido, naquilo que não queremos aceitar, naquelas práticas que não ousamos realizar, naquilo que nos envergonhamos. Essa talvez seja uma estranha mensagem para os que celebram a adoração em um templo. Mas é a mensagem central da ressurreição de Cristo. Ao saírem dos templos de suas igrejas no domingo, corram para a Galiléia, porque Ele está lá nos esperando.
Ide à Galiléia, lá o vereis !
Que possamos então procurar Cristo lá onde nunca pensamos encontrá-lo. Lá Ele nos espera. Lá, surpreendentemente, o veremos.
O encontro com Ele, não é simplesmente “neste santo lugar’. É lá naqueles lugares considerados sujos e impuros. É lá na Galiléia dos pecadores.
Ide à Galiléia. Lá o vereis !
Extratos do livro:
Entre o Púlpito e a Universidade
Carlos Eduardo B. Calvani
Editora Aste
Cara....é difícil eu concordar com você em todos os detalhes de um texto ....mas nesse não tenho nada a acrescentar ou tirar...muito bom...
ResponderExcluirabraço
Alexandre