Não há como negar que estamos respirando novos ares sobre a forma de ser da Igreja. A multiformidade tomou conta do redirecionamento das comunidades religiosas no limite do bizarro. A questão já não é se línguas estranhas existem ou não, e pouca gente dá importância para isto hoje. Os tempos em que se discutia o “bater palmas” durante a liturgia já foi superado até por católicos. Já não se fala mais sobre determinados instrumentos, se são sacros ou não, ou até determinados cânticos e suas letras pouco convincentes do ponto de vista bíblico.
A minha questão não é tentar fazer sobreviver o antigo modelo, até porque o antigo também havia sido inovação e a cada tempo “antigos” e “novos” se chocam para gerar o “novíssimo” que ficará antigo e que, por sua vez, também será substituído. Quando alguém diz: - O que será da Igreja daqui a tantos anos? Está perguntando em linha reta. A melhor resposta poderá ser: - Sei lá! Qual o “antigo” que será substituído pelo “novíssimo” que acabará ficando velho, superado, e que um dia será lembrado apenas como modelo histórico?
O problema central não é este. Creio que a pergunta que se levanta, ou a postura que se tem, não deve ser a rejeição pelo “novíssimo” esperando que ele fique “antigo” – Já que vai ficar antigo, para que mudar? Isto é uma forma de se justificar não ter saído do lugar sabendo-se por antecipação que as coisas continuariam do mesmo jeito. A questão é: como movimentar uma dinâmica sabendo-se que não será a forma final e ao mesmo tempo como não permitir que uma determinada forma se torne impossível se ser mudada? É como se você fosse pintar um quadro. O quadro não pode ser “atualizado”. Veja o caso da Monaliza. Só tem valor porque ficou “pregada” num tempo, é o “retrato” de uma época e estilo do autor. O autor, que pintou outros quadros, mudando assim a sua forma de ver o mundo, não pode mudar o olhar enigmático da Monaliza. Seu valor cultural para a humanidade está no fato de atravessar o tempo: mudam-se as interpretações, mas o olhar da Monaliza continua sendo o seu mistério. Um outro exemplo: passei três dias em Iguape durante esta semana. Já a conhecia. Só que ver aquele museu a céu aberto, de uma das mais antigas cidades do Brasil, é realmente fascinante. Casas coloridas, na tentativa de resgatar a época colonial. Quem não sabe que aquelas casas foram recuperadas, recuperadas e recuperadas. Só que foram recuperadas semelhantes ao que poderiam ter sido na época colonial, e elas só têm valor quando se aproximam disto. Uma preciosidade. Entre o casario, uma casa moderna, bonita, cheia de jardins, vidros temperados e garagem. Uma casa moderna, cheia de cimento, que se misturou com o museu. Uma linda casa, porém um monstrengo. Estava fora de lugar! Deveria estar num bairro, ou à beira mar, mas não ali. Ali, ela se transformou numa imagem bizarra, grotesca, intrusa, fora de lugar, uma aberração, quase um erro da natureza (estou dizendo do arquiteto, é claro), qualquer coisa parecida com um E.T.
O que estou querendo dizer é que qualquer propósito, qualquer belo ou relação deve-se fazer a partir da função: algo pode ser belo, por ser exatamente fora de tempo, e pode ser feio mesmo sendo moderno. Cada dia que passa estou achando que as Igrejas estão ficando feias, cheias de propósitos, mas feias. Se parecem com máquinas que engolem gente. Tenho lido sobre “igrejas com propósitos”, “ministérios com propósitos”, “famílias com propósitos”, “pequenos grupos com propósitos”, etc. . O Pr. Isaltino (Igreja Batista do Cambuí) afirmou numa das suas pastorais (ou será que foi numa conversa?) que daqui a pouco teremos “zeladoria com propósitos”. A questão que tem sido colocada é: “como fazer a minha igreja crescer?” Não é necessário dizer que neste “propósito” vale tudo. São cultos “shows”, “louvor profético”, repetição de cânticos em euforia com a mesma música e letra por quinze minutos, trinta, quase uma hora! Quando se estabelece um propósito, o que vale é enxergar o alvo. Que coisa consumista! Quem fica olhando para o final da estrada não vê o jardim! Na pressa de chegar ao ponto, esquece que enquanto caminha, se vive, o sentido da vida não é chegar ao fim, mas apenas caminhar.
Gosto de pensar na Igreja como este caminhar contemplativo da vida. Não sei se consigo enxergar muito à frente, porque o que está lá pode ser apenas uma miragem, projeção do presente como se houvesse um deslocamento virtual do que é (ou parece ser) sendo colocado no futuro, ou seja, aquilo não é futuro, é apenas o presente “modificado”. É miragem, que só tem valor como imagem, quando se chega lá só areia e areia - nada mais. Isto gera uma certa frustração.
Gosto de pensar numa Igreja que não tem um único rumo, onde tudo é experimental, parando-se a cada passo para se ver as flores. Isto poderá não fazer a Igreja crescer tanto (o que não acredito!), mas que a gente vai ter mais tempo para desfrutar da benção da vida, isto com certeza! Alguma coisa como uma planta que cresce e faz nascer os brotos onde não se espera, que procura o sol e se inclina em sua direção, que faz das folhas pequenos copos como depósitos de águas e desabrocha em flores como se jamais pudesse haver algo igual. Alguém poderá dizer que não ter um “propósito” já é um “propósito”. Bem, neste caso, diria que este propósito seria associar Igreja com poesia, vida com viver e conviver, sem engessamento, contemplando as bênçãos de Deus que sempre ficam esquecidas quando não se olha para os lírios do campo.
Pastor Natanael Gabriel da Silva
Igreja Batista Em Barão Geraldo – Boletim Dominical – 19/10/2003
Igreja Batista Em Barão Geraldo – Boletim Dominical – 19/10/2003
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