Atingidos pelos Reflexos...

domingo, 10 de agosto de 2008

Ser Seminarista

Atendendo ao pedido de algumas pessoas coloco aqui um texto que escrevi e que foi publicado na edição de "O Jornal Batista", do dia 20/07/2008.




Ser seminarista

“Olho para dentro de mim e vejo sementes que precisam morrer, a fim de poderem dar muito fruto.”



A metafísica aristotélica procura entender a verdade e explicar as coisas, através do ser enquanto ser; trabalha com o pensamento de um mundo verdadeiro e real cuja essência é a multiplicidade de seres e a mudança incessante. (E não é que aprendi algo na aula de Filosofia!)
Comecei essa semana refletindo sobre o assunto, tentando me lembrar por quantas mudanças já tive que passar, situações às quais tive que me adaptar, convicções que deixaram de ser convicções, dúvidas que passaram a ser certeza, descobertas que fizeram a diferença para mim, e diferenças que me impediram de fazer descobertas. Desde minha entrada para o curso de Teologia, essa reflexão tem sido uma constante em minha rotina de seminarista. Uma mudança incessante dentro de um ser que absorve, a cada dia, um pouco da multiplicidade de outros seres.
O ser seminarista (é assim que chamam aquele que decide estudar teologia) é algo não tão fácil de se explicar. Somente quem já passou pelo processo ou vive no ambiente de uma faculdade teológica vai saber o que estou querendo (ou tentando) dizer. Você tem de um lado sua convicção de chamado, a certeza da vocação, a vontade de entregar-se à direção de Deus e cumprir seus desígnios; de outro, você tem a dura tarefa de sair de casa, todos os dias, 7h e chegar à meia-noite. Sua vida muda... você, inevitavelmente, será cobrado a se tornar um modelo de cristão, terá que saber dividir seu tempo e se dedicar da melhor maneira possível a ler inúmeros livros e artigos, preparar várias resenhas, fichas de leitura, trabalhos e apresentações em forma de seminário, ser submetido a testes escritos e orais, entregar todos os trabalhos e leituras nas datas pré-estabelecidas (segundo um professor, se você não faz isso, não será indicado, pelo menos por ele, como um “bom pastor”), dar atenção à sua esposa, a seus filhos e à sua família, de modo que eles não tenham do que reclamar quanto à sua postura como esposo, pai, irmão, filho, tio. (já que... “aquele que não governa bem sua própria casa...”). Também deverá ser exemplo de trabalho e dedicação na igreja, afinal, a comunidade investe em você, nada mais justo do que estar presente e ativo em todas as atividades demonstrando e provando sua vocação a todos. As críticas que você receber certamente serão para testar sua vocação e fazer você crescer. Sua vida profissional não pára, você continuará sendo cobrado e exigido segundo os padrões de competitividade do mercado, apesar de talvez não entenderem o por que de alguém que trabalha na área de administração opte por fazer um curso de Teologia. Você deverá continuar se dedicando ao máximo no trabalho, do qual você tira o sustento seu e de sua família.
Em meio a todos esses fatores externos que o cercam, você deverá saber lidar também com os conflitos internos que com certeza virão, e se existir desordem interna, certamente você experimentará frustrações, ansiedades e pouco ou nenhum crescimento. Você não conseguirá se manter em pé se não separar um tempo diário à prática da oração, conversando com Deus sobre tudo que tem feito, buscando orientação do alto sobre as decisões que deverá tomar, estar em permanente contato com sua Palavra para poder assim estar sensível à voz do Pai. Cultivando esse relacionamento com Deus podemos fazer com que nosso senso de auto-estima cresça, nossas intenções sejam renovadas. Será através dessa prática que manteremos nossa comunhão com Deus e moldaremos nosso caráter. Ocorre que nesse período, nem sempre (ou quase nunca) conseguimos atingir esse objetivo. Carecemos mesmo da misericórdia do Senhor. Que bom que elas se renovam a cada manhã!
Olho para mim e vejo sementes que precisam morrer, a fim de poderem dar muito fruto, e toda morte exige sofrimento, e sofrimento é algo indesejável para qualquer um de nós, mas se a semente nega-se a morrer ela também se nega a virar vida, não se transforma, não se multiplica. Talvez essa seja a explicação do por que as pessoas serem tão resistentes às mudanças. Mudar implica em renunciar a si mesmo, deixar que as sementes que estão dentro de você morram. Mudar dói...
O que percebo hoje é que todas essas mudanças me conduzem para um discernimento correto, aponta para uma segurança e maturidade maior do objetivo para o qual caminho, e penso que a ação de mudança contínua me leva a entender de forma mais profunda a necessidade de transformações que ainda preciso experimentar.
O processo todo faz com que a vocação seja confirmada, dia após dia, e vejo que ela é muito mais importante do que achava ser há tempos. Mais crises virão pela frente e mais crises ficarão para trás, o ser enquanto ser depende cada vez mais do Ser-Supremo.
Usando o jargão de um colega seminarista – “Tudo são pressupostos”. O que realmente importa é estarmos atentos a cumprir a missão para a qual fomos chamados

“Portanto nós também, pois que estamos rodeados de uma tão grande nuvem de testemunhas, deixemos todo o embaraço, e o pecado que tão de perto nos rodeia, e corramos com paciência a carreira que nos está proposta" (Hb 12.1).

A saída para o nosso desânimo está no alicerce que sustentava Jesus quando cada pedra, prego ou fardo era lançado sobre ele. Ânimo meu irmão!

JOSÉ B. SILVA JUNIOR - Seminarista, segundanista da FTB de Campinas (SP)


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