O Mito como origem do Direito.
Ontem na aula de Filosofia do Direito
uma questão nos bateu a porta. O professor ensina que uma das prováveis origens
do Direito, reside no MITO – Citou inclusive a história bíblica de Moisés como
exemplo, no episódio em que retorna do Monte Sinai com as tábuas dos dez
mandamentos. O Direito assim, por esse entendimento teria lá suas origens
ligadas ao Mito. Ele ainda afirmou:
“Mito é mentira? Não... Não tratamos
o mito como mentira, mas como um recurso humano para explicar o sobrenatural.”
Mas reflito eu aqui desse lado:
Cientificamente falando seria
possível tratar o mito como:
a) descrição profunda da realidade?
b) inteligente?
c) necessário?
d) significante?
Feuerbach chamou isso de alienação.
Com o que concordo. Você pode explicar essa alienação de modo marxiano, você
pode explicar a alienação de modo freudiano, você pode explicá-la pelo modo
nietzschiano - as explicações são variadas, mas o fato, se tratarmos o Direito como Ciência pelo viés da
racionalidade, é um só: alienação.
No fundo, os estudiosos que
classificaram o mito como uma das prováveis origens do Direito sabem disso. Se
forem espremidos contra a parede, confessam que sabem.
Porque então, se eu sei do que se
trata, dizer que se trata de outra coisa?
No final de "Deus e os Homens", que Voltaire publicou com um
pseudônimo, por razões de segurança pessoal, há uma seção "axiomas".
Extraio esses:
- Nenhuma sociedade pode subsistir sem justiça; anunciemos, pois um Deus justo.
- Se a Lei do Estado pune os crimes conhecidos, anunciemos, pois, um Deus que punirá os crimes desconhecidos.
- Que um filósofo seja espinosista , se quiser, mas que o homem de Estado seja teísta.
Que razão me leva a transcrever os três axiomas? A ideia de como o povo
lida com o mito e de como o filósofo lida com o mito e de como o "homem de
Estado” lida com o mito.
A "sociedade", precisa de justiça e, nesse caso, ele afirma,
deve-se anunciar um Deus justo que pune os crimes desconhecidos. Trata-se, aí,
da introjeção subjetiva do Medo e da Obediência pelo medo.
Há, aí, duas implicações: a sociedade precisa disso, mas o
filósofo sabe que isso é mero mito político. Se o filósofo sabe, mas a
sociedade tem que ter isso, deduz-se que a sociedade não deve saber que se
trata de mito, deve acreditar nisso como verdade - caso contrário,
cometerá os crimes, porque saberá que não há castigo divino, se é que há Deus.
Por isso - POR ISSO! - o homem de Estado não pode agir como filósofo, ainda que
seja: deve usar a "teologia" e anunciar, enquanto homem de Estado, um
Deus justo que castiga o criminoso que peca em segredo...
Ora - estamos diante de uma leitura bastante cínica da sociedade - real,
mas cínica. Os políticos querem a sociedade funcionando, e sabem que a religião
é uma ferramenta - se não "a" ferramenta - especial para isso: pôr
medo nos corações faz com que uma parte boa da população se comporte, com
medo. O filósofo ri-se disso, e isso é risível mesmo, o próprio Voltaire riu-se
disso nas páginas de Deus e os Homens. O que é intolerável para ele é que o
homem de Estado não assuma o discurso do Deus punidor - ele tem de
ser teísta...
Você consegue perceber o "jogo"?
A sociedade foi cinicamente dividida entre iluminados - os filósofos e o
homem de Estado -, de alienados manipulados - o povo - e de manipuladores
esclarecidos - o homem de Estado.
O que me assusta - e por isso não posso ser um homem de Estado, sequer
um líder religioso, é ter que assumir que o povo é alienado e ignorante e assim
deve ser mantido, que eu, enquanto filósofo, posso dar meus voos de
esclarecimento, mas que, quando volto a lidar com o povo, para que cada coisa
permaneça no seu lugar, eu lhes diga, contra tudo que sei, que Deus está no
controle, e castigará os ladrões...
Não, essa política não é para homens honrados e íntegros: é para
déspotas esclarecidos, como, de resto, se fazem inclusive os homens de Deus -
quando são esclarecidos!
É... talvez seja assim que as coisas devam ser... Mito não é mentira.
Extratos das postagens de Osvaldo Luiz Ribeiro - "Da justiça de um povo e da ideia de um Deus Justo" - peroratio.blogspot.com
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