_Senhor... põe o carro desse lado... , aí os guardas vão multar !
Foi assim que Wilson... um jovem aparentando uns 28 anos de idade me abordou enquanto eu procurava uma vaga de estacionamento ao lado da rodoviária de Santos, no litoral Paulista. Passava um pouco da 23:00 hs e eu aguardava irmã e sobrinha que chegariam de Campinas para o fim de semana na praia.
Wilson estava vestido com bermuda, camiseta e uma sandália de borracha (aquela da propaganda)... Sua aparência era a de quem não estava ali há pouco tempo, olhar cansado, cabelos despenteados, pés castigados pelo contato com o asfalto poluído... Sua tarefa era, como a de muitos outros com quem cruzamos nos grandes centros; a de “guardar” os carros estacionados ao redor da rodoviária.
Assim que consegui minha vaga, Wilson veio em minha direção:
_ Senhor, não precisa me pagar nada. Estou aqui para servir as pessoas. Pode entrar lá e esperar seu parente, tranqüilo. Se depois quiser me ajudar, como alguns fazem, fica á vontade, mas não quero que tenha isso como uma obrigação. Vou cuidar de seu carro de qualquer jeito.
Achei interessante sua abordagem, pareceu-me num primeiro momento que ele estava utilizando técnicas de marketing pessoal para promover seu negócio. Pensei comigo mesmo: A globalização na competição de mercado está transformando os flanelinhas em especialistas na área de “Car Park Business”. Após essa minha rápida reflexão, fiquei ali mesmo na calçada parado durante algum tempo, observando o trabalho do Wilson. Ele frenéticamente andava de um lado para outro das ruas, e sempre com uma amistosidade peculiar, abordava as pessoas com um sorriso no rosto, e em algumas das abordagens que pude ouvir o final era quase sempre o mesmo...: “fique tranquilo senhor... seu carro estará do mesmo jeito que deixou quando voltar”.
Como ele percebeu que fiquei o observando, entre um e outro “atendimento” vinha sempre em minha direção e como a chegada do ônibus que esperava estava prevista somente para ás 00:20 Hs, houve tempo de trocarmos algumas palavras.
_Olha lá...tá vindo mais um... A gente percebe que as pessoas ficam meio com medo quando me vêem. Acho normal... tanta coisa que a gente vê por aí, é natural que todo mundo fique com o pé atrás, por isso que procuro sempre conversar e explicar que estou aqui prá ajudar... Outro dia, veio uma mulher e pediu pra eu estacionar o carro pra ela.., estranhei, mas como estou aqui pra ajudar, fui lá e estacionei.., quando sentei no banco do motorista, olhei do lado e tinha carteira, óculos de sol, celular, bolsa..., Assim que desci falei pra ela não fazer mais isso, pois dependendo da pessoa levava as coisas dela embora com carro e tudo. Ela disse que já tinha vindo aqui outro dia com o marido e me viu falar com ele, por isso não teve dúvidas em me pedir ajuda... Então...minha intenção aqui é essa mesmo, de poder ser útil...ajudar as pessoas. É claro que preciso do dinheiro, tenho minha esposa que está grávida e uma filha, e tem também uma senhora que mora do lado de casa que não tem ninguém... procuro ajudá-la quando posso. Sei que tem gente que não gosta do que eu faço, e outros que não podem ajudar mesmo... Mas sempre tem aqueles que tem algum sobrando e nos ajudam...
Perguntei pra ele onde morava... Apontando com o dedo ele falou:
_ Tá vendo aquele morro ali atrás da rodoviária ? Aquele poste com a luz amarela..lá em cima ? Então senhor, fiz um barraco ali... Minha esposa era prostituta, tirei ela da rua porque fiquei com pena da vida que ela levava... ela ia acabar morrendo na mão dos “cafetão”... Não tenho vergonha de falar isso não, essas meninas que ficam por aí, muitas vezes não tem escolha, ou você acha que elas gostam do que fazem..? se não aparece alguém para ajudar elas não tem pra onde ir, geralmente se envolvem com droga e daí pra perder a vida por causa de dívidas é fácil...- nessa altura alguém trouxe um milho cozido pra ele. Wilson começou a comê-lo, após me oferecer um pedaço, como alguém que realmente estava com fome.
Arrisquei outra pergunta: E o que você consegue ganhar aqui, dá pra ir levando ?
_Então senhor... qual é seu nome mesmo ? (disse meu nome pra ele e perguntei qual era o dele). Então Junior, aqui somos em 18 pessoas, então tenho que fazer a correria, senão não dá mesmo... – e lá foi ele, correndo atrás de outro carro que estacionava.
Fiquei refletindo sobre aquela situação... Na rápida conversa que tivemos até ali, através das palavras e atitudes de Wilson, constatei que ele carregava dentro de si, princípios nitidamente cristãos como: humildade, amor e preocupação com o próximo, honestidade, vida em comunidade.. e assim que ele voltou, não resisti e perguntei:
E seu relacionamento com Deus Wilson...como anda ?
Notei que naquele momento, o rapaz agitado, que falava rápido e corria de um lado para outro fez uma pausa. Posso até jurar que ele respirou fundo antes de começar a me responder com outra pergunta:
_Você é evangélico né..? Pensei em pedir á ele que definisse o termo evangélico, mas como aquilo não era uma aula de filosofia, respondi que sim. Ele continuou:
_Já freqüentei uma igreja evangélica... Hoje sei que estou devendo pra Deus. Mas sei também que apesar de tudo Ele está no controle. Assim que saí da igreja há alguns anos atrás comecei a fazer muita besteira... Assaltava mansões e praticava outro tipo de roubos, toda polícia naquela época andava atrás de mim.. fui preso e na cadeia pude entender um pouco mais o que Deus espera de mim e me arrependi muito de tudo que havia feito até ali..., No fórum, na audiência que decidiu minha saída da cadeia, o Juiz ao lado do promotor, disse que eu deveria ser solto pois Deus havia falado isso pra ele, mas sob a condição de eu fazer algo em troca pra Deus. Você já viu algum juiz dar uma sentença dessa em alguma audiência, e dizer isso na cara de um bandido ? Pois é..eu ouvi, e sei que Deus existe e controla tudo isso aqui. Como já disse, sei que devo ainda pra Ele. Talvez você queira saber se freqüento alguma igreja, sabe, acho que a Igreja está onde cada um que se diz cristão está, não quero falar mal de ninguém, mas quando estava na igreja via muita gente fazendo coisa errada lá dentro, então quem é melhor ? Hoje eu procuro fazer o que aprendi de Deus... E isso eu posso fazer na rua, na rodoviária, no morro, até no banheiro de casa... E lá foi o Wilson de novo... atrás dos “clientes” dele...
Lembro depois de ter falado alguma coisa pra ele sobre meu ponto de vista com relação à igreja, a importância de seu papel em nossa formação espiritual, da intenção que os apóstolos tiveram quando se reuniam em comunidade. Disse que seus filhos precisavam crescer em contato com os ensinamentos bíblicos e que a Igreja é o lugar mais apropriado para isso.
Mas principalmente, disse á ele que percebi claramente alguns princípios cristãos nítidos em sua vida. E que as igrejas precisam (talvez como jamais precisaram) de pessoas assim.
Dirigi-me á plataforma de desembarque, para aguardar minha irmã e minha sobrinha, porém, antes do ônibus chegar, lembrei que era véspera de natal. Não me contive e me rendi ao nosso costume ocidental. Procurei o Wilson e deixei com ele um trocado para que comprasse um presente para sua filha... Abraçamo-nos e, emocionados, choramos juntos ali antes de nos despedir.
O que aprendo com tudo isso ? Muitas coisas... entre elas: que eu escrevo e falo muito, mas faço pouco. A certeza de que podemos ter daquela paz descrita por Jesus nos evangelhos que independe de circunstâncias, situações, condições e posições... paz que vem só através dEle. E que nosso relacionamento com Deus é algo muito pessoal, e que escutamos sua voz, sentimos sua presença e recebemos seus ensinamentos em nossas vidas das mais diversas formas....
Quando voltei para o local onde havia estacionado o carro, ele estava do mesmo jeito que o deixei..., mas eu saí diferente de lá.
“Deixo-vos a Paz, a minha Paz vos dou: Não vo-la dou como o mundo a dá”. João 14:27a
José B. Silva Junior
Foi assim que Wilson... um jovem aparentando uns 28 anos de idade me abordou enquanto eu procurava uma vaga de estacionamento ao lado da rodoviária de Santos, no litoral Paulista. Passava um pouco da 23:00 hs e eu aguardava irmã e sobrinha que chegariam de Campinas para o fim de semana na praia.
Wilson estava vestido com bermuda, camiseta e uma sandália de borracha (aquela da propaganda)... Sua aparência era a de quem não estava ali há pouco tempo, olhar cansado, cabelos despenteados, pés castigados pelo contato com o asfalto poluído... Sua tarefa era, como a de muitos outros com quem cruzamos nos grandes centros; a de “guardar” os carros estacionados ao redor da rodoviária.
Assim que consegui minha vaga, Wilson veio em minha direção:
_ Senhor, não precisa me pagar nada. Estou aqui para servir as pessoas. Pode entrar lá e esperar seu parente, tranqüilo. Se depois quiser me ajudar, como alguns fazem, fica á vontade, mas não quero que tenha isso como uma obrigação. Vou cuidar de seu carro de qualquer jeito.
Achei interessante sua abordagem, pareceu-me num primeiro momento que ele estava utilizando técnicas de marketing pessoal para promover seu negócio. Pensei comigo mesmo: A globalização na competição de mercado está transformando os flanelinhas em especialistas na área de “Car Park Business”. Após essa minha rápida reflexão, fiquei ali mesmo na calçada parado durante algum tempo, observando o trabalho do Wilson. Ele frenéticamente andava de um lado para outro das ruas, e sempre com uma amistosidade peculiar, abordava as pessoas com um sorriso no rosto, e em algumas das abordagens que pude ouvir o final era quase sempre o mesmo...: “fique tranquilo senhor... seu carro estará do mesmo jeito que deixou quando voltar”.
Como ele percebeu que fiquei o observando, entre um e outro “atendimento” vinha sempre em minha direção e como a chegada do ônibus que esperava estava prevista somente para ás 00:20 Hs, houve tempo de trocarmos algumas palavras.
_Olha lá...tá vindo mais um... A gente percebe que as pessoas ficam meio com medo quando me vêem. Acho normal... tanta coisa que a gente vê por aí, é natural que todo mundo fique com o pé atrás, por isso que procuro sempre conversar e explicar que estou aqui prá ajudar... Outro dia, veio uma mulher e pediu pra eu estacionar o carro pra ela.., estranhei, mas como estou aqui pra ajudar, fui lá e estacionei.., quando sentei no banco do motorista, olhei do lado e tinha carteira, óculos de sol, celular, bolsa..., Assim que desci falei pra ela não fazer mais isso, pois dependendo da pessoa levava as coisas dela embora com carro e tudo. Ela disse que já tinha vindo aqui outro dia com o marido e me viu falar com ele, por isso não teve dúvidas em me pedir ajuda... Então...minha intenção aqui é essa mesmo, de poder ser útil...ajudar as pessoas. É claro que preciso do dinheiro, tenho minha esposa que está grávida e uma filha, e tem também uma senhora que mora do lado de casa que não tem ninguém... procuro ajudá-la quando posso. Sei que tem gente que não gosta do que eu faço, e outros que não podem ajudar mesmo... Mas sempre tem aqueles que tem algum sobrando e nos ajudam...
Perguntei pra ele onde morava... Apontando com o dedo ele falou:
_ Tá vendo aquele morro ali atrás da rodoviária ? Aquele poste com a luz amarela..lá em cima ? Então senhor, fiz um barraco ali... Minha esposa era prostituta, tirei ela da rua porque fiquei com pena da vida que ela levava... ela ia acabar morrendo na mão dos “cafetão”... Não tenho vergonha de falar isso não, essas meninas que ficam por aí, muitas vezes não tem escolha, ou você acha que elas gostam do que fazem..? se não aparece alguém para ajudar elas não tem pra onde ir, geralmente se envolvem com droga e daí pra perder a vida por causa de dívidas é fácil...- nessa altura alguém trouxe um milho cozido pra ele. Wilson começou a comê-lo, após me oferecer um pedaço, como alguém que realmente estava com fome.
Arrisquei outra pergunta: E o que você consegue ganhar aqui, dá pra ir levando ?
_Então senhor... qual é seu nome mesmo ? (disse meu nome pra ele e perguntei qual era o dele). Então Junior, aqui somos em 18 pessoas, então tenho que fazer a correria, senão não dá mesmo... – e lá foi ele, correndo atrás de outro carro que estacionava.
Fiquei refletindo sobre aquela situação... Na rápida conversa que tivemos até ali, através das palavras e atitudes de Wilson, constatei que ele carregava dentro de si, princípios nitidamente cristãos como: humildade, amor e preocupação com o próximo, honestidade, vida em comunidade.. e assim que ele voltou, não resisti e perguntei:
E seu relacionamento com Deus Wilson...como anda ?
Notei que naquele momento, o rapaz agitado, que falava rápido e corria de um lado para outro fez uma pausa. Posso até jurar que ele respirou fundo antes de começar a me responder com outra pergunta:
_Você é evangélico né..? Pensei em pedir á ele que definisse o termo evangélico, mas como aquilo não era uma aula de filosofia, respondi que sim. Ele continuou:
_Já freqüentei uma igreja evangélica... Hoje sei que estou devendo pra Deus. Mas sei também que apesar de tudo Ele está no controle. Assim que saí da igreja há alguns anos atrás comecei a fazer muita besteira... Assaltava mansões e praticava outro tipo de roubos, toda polícia naquela época andava atrás de mim.. fui preso e na cadeia pude entender um pouco mais o que Deus espera de mim e me arrependi muito de tudo que havia feito até ali..., No fórum, na audiência que decidiu minha saída da cadeia, o Juiz ao lado do promotor, disse que eu deveria ser solto pois Deus havia falado isso pra ele, mas sob a condição de eu fazer algo em troca pra Deus. Você já viu algum juiz dar uma sentença dessa em alguma audiência, e dizer isso na cara de um bandido ? Pois é..eu ouvi, e sei que Deus existe e controla tudo isso aqui. Como já disse, sei que devo ainda pra Ele. Talvez você queira saber se freqüento alguma igreja, sabe, acho que a Igreja está onde cada um que se diz cristão está, não quero falar mal de ninguém, mas quando estava na igreja via muita gente fazendo coisa errada lá dentro, então quem é melhor ? Hoje eu procuro fazer o que aprendi de Deus... E isso eu posso fazer na rua, na rodoviária, no morro, até no banheiro de casa... E lá foi o Wilson de novo... atrás dos “clientes” dele...
Lembro depois de ter falado alguma coisa pra ele sobre meu ponto de vista com relação à igreja, a importância de seu papel em nossa formação espiritual, da intenção que os apóstolos tiveram quando se reuniam em comunidade. Disse que seus filhos precisavam crescer em contato com os ensinamentos bíblicos e que a Igreja é o lugar mais apropriado para isso.
Mas principalmente, disse á ele que percebi claramente alguns princípios cristãos nítidos em sua vida. E que as igrejas precisam (talvez como jamais precisaram) de pessoas assim.
Dirigi-me á plataforma de desembarque, para aguardar minha irmã e minha sobrinha, porém, antes do ônibus chegar, lembrei que era véspera de natal. Não me contive e me rendi ao nosso costume ocidental. Procurei o Wilson e deixei com ele um trocado para que comprasse um presente para sua filha... Abraçamo-nos e, emocionados, choramos juntos ali antes de nos despedir.
O que aprendo com tudo isso ? Muitas coisas... entre elas: que eu escrevo e falo muito, mas faço pouco. A certeza de que podemos ter daquela paz descrita por Jesus nos evangelhos que independe de circunstâncias, situações, condições e posições... paz que vem só através dEle. E que nosso relacionamento com Deus é algo muito pessoal, e que escutamos sua voz, sentimos sua presença e recebemos seus ensinamentos em nossas vidas das mais diversas formas....
Quando voltei para o local onde havia estacionado o carro, ele estava do mesmo jeito que o deixei..., mas eu saí diferente de lá.
“Deixo-vos a Paz, a minha Paz vos dou: Não vo-la dou como o mundo a dá”. João 14:27a
José B. Silva Junior
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