Eu
monge...
No caso da Bíblia, para você tentar entender o que
o texto - seus autores - quiseram dizer, você precisa dizer que é leitura
crítica, de tanta alegoria e embromação que o mundo conhece e de que as
livrarias estão abarrotadas. Mas se poderia simplesmente dizer ler
historicamente. Ler histórico-criticamente... Ler para entender. Ler para
ouvir. Pois quando
se quer saber se uma pessoa é mais do que um analfabeto funcional, vê-se se ela
sabe entender o que um texto quer dizer.
Na minha experiência, portanto, a leitura crítica da
Bíblia, serve para duas coisas:
a) entender o que os autores e os textos quiseram dizer - essa
é minha "religião".
b) salvar-se das garras de "gerentes de
boca", "homens de deus" que se arvoram em messias, em apóstolos,
em papas, em "pastores", que acham que podem determinar o que Deus
pensa, quer e diz, que controlam massas e multidões pela crença, pela fé, pela
ingenuidade. Nenhum deles resiste à leitura crítica, porque só faz leitura
crítica quem já se libertou. Por isso, têm horror à leitura crítica, porque ela
liberta a ovelha do redil, liberta o gado do curral...
E nada disso era preciso.
Não fora a invenção do controle das pessoas pelo
"ungido"; fosse a igreja, de fato e verdadeiramente, uma comunidade
de libertação e liberdade; fosse a comunidade de crença uma comunidade
pedagógica, de autonomização das pessoas; se fosse, mesmo, de verdade, um lugar
de gente livre - e não é nada disso, então não se precisaria temer a leitura
crítica, porque isso nada diria do modo de ser das lideranças evangélicas. Mas,
como os pecados políticos dos sacerdotes da Bíblia se repete nos "homens
de Deus" de hoje, quando você lê e desarma o jogo bíblico, você
automaticamente lê e desarma o jogo político das comunidades...
Não era preciso.
A culpa não é da leitura crítica. Conheci e fui
aluno de um pastor cuja leitura crítica da Bíblia não era problema, não é
verdade, Elinaldo Pita? A crítica, desconstrutiva da tradição nasceu lá, na aula
de filosofia, a convite dele.
Eu só cansei. Não vale a pena. Foi um golpe de
sorte aquele encontro. Mas é raro, e não vou me desgastar, não mesmo, que
estudar a Bíblia com seriedade demanda tempo e energia, energia que não vou
gastar com enfrentamentos inúteis em comunidades presas pelo dogma e pela
política pastoral.
Não vale a pena.
Mas insisto: todo pastor que demoniza a leitura
crítica da Bíblia tem, no fundo, é medo de ela revelar a consistência de seu
domínio bíblico, de revelar o fato de que ali, dizendo tratar-se de Bíblia, se
prega tradição mal e mal manejada, enganação, retórica, negligência...
Repito: a culpa não é da leitura crítica.
A culpa é da qualidade pastoral, cada vez pior, que,
não podendo suportar a leitura do próprio livro sagrado, inventa para ele uma
leitura cada vez mais acomodada aos jogos sacerdotais, de massa, de catarse...
Resistirei. Esperarei. Se os dias maus passarem,
passaram. Se não passarem, não terei deixado o vento mau desses dias lamber a
minha face... Não, não vou deixar.
E, enquanto resisto, estudo. É, no fundo, uma
espécie de monasticismo meu, de refúgio no deserto - monastério da resistência...
Eu, monge.
Texto “emprestado” do Professor Osvaldo Luiz
Ribeiro...